Bens Essenciais À Atividade Econômica Na Recuperação Judicial
O texto apresentará algumas considerações a respeito dos bens essenciais à atividade econômica, notadamente, quando o tema envolve pessoa jurídica em regime recuperatório previsto na Lei 11.101/05.
Nessa linha, o agente econômico que está mergulhado em crise econômico-financeira momentânea se pode valer de mecanismos de reestruturação previstos na Lei 11.101/05 [recuperação judicial ou extrajudicial, bem como outros meios de soerguimento, conforme art. 167].
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS BENS ESSENCIAIS À ATIVIDADE ECONÔMICA
Os bens essenciais à atividade econômica para o desenvolvimento da atividade econômica organizada são aqueles considerados como indispensáveis à produção, circulação e distribuição organizada de bens e serviços.
Exemplos de bens essenciais: utensílio, máquinas, veículos, imóveis, equipamentos em geral, móveis, equipamentos de computação, tratores agrícolas, reboques e semi-reboques, semeadores, adubadores, plantadeiras, máquinas para colheita, dentre outros.
A depender do tipo de atividade econômica desenvolvida, a pessoa jurídica necessitará de ativos específicos para a consecução de seu objeto social. São os denominados bens essenciais da atividade econômica.
O tema é de extrema relevância, principalmente quando a pessoa jurídica está sob algum regime recuperatório previsto na Lei 11.101/05, porquanto há risco quanto a retirada de bens do estabelecimento, em especial durante o período de suspensão das ações e execuções ajuizadas em face do devedor.
OS BENS NECESSÁRIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE ECONÔMICA
Os bens necessários para o desenvolvimento da atividade econômica da pessoa jurídica sob regime recuperatório, no stay period, não raro estão alienados a credores que não se sujeitam às cláusulas da reestruturação judicial (art. 49, §3º) e extrajudicial (art. 161, §1º).
A regra do art. 49, §3º, da Lei 11.101/05 é no sentido de que, durante o período de suspensão das ações e execuções ajuizadas em face do devedor, não poderá ocorrer a retirada de bens de capital essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial.
Há bens necessários, essenciais à atividade econômica e há bens de capital considerados não essenciais, sendo importante a distinção, principalmente quando o tema está ligado à reestruturação empresarial.
Assim decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:
Agravo de instrumento. Recuperação judicial. Pedido deliberação de valores bloqueados pelas instituições financeiras agravadas. Indeferimento. O panorama fático é o seguinte: (i) as instituições financeiras agravadas (Banco Daycoval e Banco Itaú) possuem créditos concursais e extraconcursais; (ii) ambas efetuaram bloqueios de valores nas respectivas contas de titularidade da recuperanda/agravante, que alega a ausência de certeza de queesses bloqueios se referem à quitação de créditos extraconcursais, motivo pelo qual requereu a liberação; (iv) a administradora judicial aferiu que há créditos extraconcursais em favor das agravadas e que os valores bloqueados são menores do que a totalidade do débito não sujeito à recuperação. Não estão presentes, portanto, os requisitos para a concessão da tutela de urgência (art. 300CPC), pois ausente a probabilidade do direito, porque as instituições financeiras são credoras extraconcursais (ou seja, possuem lastro jurídico para os bloqueios), e há elevado perigo de dano irreparável inerente à liberação dos valores. No mais, a jurisprudência já se firmou no sentido de que dinheiro não é bem de capital essencial para os fins da Lei 11.101/05. Precedentes do STJ e deste TJSP. Decisão mantida. Agravo desprovido
A distinção entre bens essenciais e bens não essenciais é importante, especialmente quando o agente econômico se encontra sob regime recuperatório e há credores com garantias reais.
O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, QUANTO AOS BENS ESSENCIAIS À ATIVIDADE ECONÔMICA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça é neste sentido:
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRODUTORES RURAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/15. SÚMULA 284/STF. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. BEM DE CAPITAL. CLASSIFICAÇÃO QUE NÃO
ABRANGE O PRODUTO FINAL DA ATIVIDADE EMPRESÁRIA. RESTRIÇÃO DA PARTE FINAL DO ART. 49, § 3º, DA LEI 11.101/05. INAPLICABILIDADE À HIPÓTESE DOS AUTOS.
1. Ação ajuizada em 17/2/2020. Recurso especial interposto em 18/12/2020. Autos conclusos ao Gabinete em 26/1/2022.
2. O propósito recursal consiste em definir se produtos agrícolas (soja e milho) podem ser classificados como bens de capital essenciais à atividade empresarial – circunstância apta a atrair a aplicação da norma contida na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11.101/05 – e se é possível ao juízo da recuperação judicial autorizar o descumprimento de contratos firmados pelos devedores.
3. A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso quanto ao ponto.
Incidência da Súmula 284/STF.
4. Cumpre registrar, outrossim, que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/15 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte.
5. Não houve manifestação, no acórdão recorrido, acerca da alegada autorização para descumprimento dos contratos celebrados entre o recorrente e os recorridos. A ausência de prequestionamento impede o exame da insurgência.
6. Mesmo que se pudesse ultrapassar referido óbice, a questão a ser analisada exigiria que esta Corte se debruçasse sobre fatos, provas e cláusulas contratuais, circunstância vedada em sede de recurso especial.
Incidência das Súmulas 5 e 7 do STJ.
7. Bem de capital é aquele utilizado no processo de produção (veículos, silos, geradores, prensas, colheitadeiras, tratores etc.), não se enquadrando em seu conceito o objeto comercializado pelo empresário. Doutrina.
8. Se determinado bem não puder ser classificado como bem de capital, ao juízo da recuperação não é dado fazer nenhuma inferência quanto à sua essencialidade para fins de aplicação da ressalva contida na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11.101/05. Precedente.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO
(STJ, REsp. n. 1.991.989-MA, 3ª Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, julg. 03/05/2022)
Conforme acórdão citado, somente está adstrito ao juízo recuperacional o bem que se enquadrar como bem de capital essencial, qual consta do art. 49, §3º, da Lei 11.101/05. Consta do acórdão:
Vale dizer, a lei de regência não autoriza o juiz a impedir a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor de bens, ainda que essenciais, que ostentem outra natureza que não a de bem de capital.
Veja-se que nem mesmo a caracterização do bem como de capital constitui circunstância suficientemente apta, por si só, a impedir sua retirada caso não se perceba sua essencialidade à atividade empresária
Prossegue a Ministra Nancy Andrighi:
Assim, na hipótese de não estarem preenchidos os dois pressupostos acima delimitados – (i) bem classificado como de capital e (ii) de reconhecida essencialidade à atividade empresarial –, é descabido ao juízo, como regra, obstar sua saída da posse do devedor com base na ressalva da parte final do art. 49, § 3º, da LFRE
(Conforme original)
Em se tratando dos credores referidos pelo art. 49, §§3º e 4º, os bens não poderão ser vendidos ou retirados do estabelecimento do devedor, bens esses considerados essenciais (não retirada dentro do período de suspensão das ações e execuções).
Passado o período de suspensão, mesmo que se trate de ativo considerado essencial, o juízo da reestruturação não mais terá competência para deliberar a respeito. A Lei 11.101/05 é neste sentido:
admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º deste artigo
Os credores estão impossibilitados de retirar os bens durante o período de suspensão das ações e execuções, sendo que o art. 6º, §7º-B atribuiu a competência do juízo da reestruturação para deliberar a respeito dos bens, quando se tratar de execução fiscal.