Comitê De Acionistas De Pessoa Jurídica Em Recuperação Judicial
O texto apresentará algumas questões a respeito da participação de acionistas, especialmente os minoritários [de sociedade anônima aberta], no processo de recuperação judicial do agente econômico em crise (3 situações que podem gerar crise do agente econômico).
De fato, o art. 53 é silente [lacuna] a respeito de quem – pela entidade em recuperação – deverá elaborar o plano de recuperação, ser o responsável direito por seu conteúdo.
Possível é a constituição de acionistas de pessoa jurídica em recuperação judicial a fim de que colaborem na estruturação e elaboração de tal documento, considerando o objetivo comum que é a superação da crise e preservação da empresa (a função social da empresa e o art. 47 da Lei 11.101/05).
O jurista Jorge Lobo levantou a importante questão em 2016, no brilhante artigo científico intitulado “Omissão da lei de Falências permite que acionistas decidam por comitê”.
(Disponível:
https://www.conjur.com.br/2016-set-12/omissao-lei-falencias-permite-acionistas-formem-comite/. Acesso: 15/04/2024).
Destaque-se que, segundo a lei de regência, o plano de recuperação judicial deve ser apresentado no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da publicação que determina o processamento da recuperação judicial (art. 53 da Lei 11.101/05). (petição inicial da recuperação judicial)
O enunciado legal é silente a respeito de quem, efetivamente, deve elaborar e ser o responsável pelo seu teor. Nisso, entra a importante participação dos acionistas minoritários de uma companhia aberta, por exemplo.
Tal plano, que deve cumprir rigorosamente todos os requisitos elencados pelo art. 53, é o documento mais importante a ser apresentado no processo de recuperação judicial.
É ele, o plano, que dará o norte da reestruturação, estabelecerá, de forma pormenorizada e rigorosa, quais serão os meios utilizados pelo devedor visando a tentativa de soerguimento da empresa em crise.
Ressalte-se consistência do plano, no aspecto econômico, poderá (em tese) contribuir para a superação da crise, com efetivo retorno ao mercado daquela entidade que está em momento difícil.
Evidentemente que fatores externos (os mais variados, inclusive oscilação da moeda norte-americana, com efetiva influência na economia mundial, mudança de mercado etc.) podem alterar os rumos do processo e influir diretamente no cumprimento do plano de reestruturação.
ACIONISTAS DA COMPANHIA ABERTA
Na companhia aberta, regida pela Lei 6.404/76, há o acionista majoritário, aquele que detém o maior número de ações com direito a voto, e o acionista minoritário, com menor número.
Conforme Ricardo Negrão, acionista minoritário é o proprietário de ações com direito a voto, cujo total não lhe garante o controle da sociedade (Manual de direito comercial e de empresa. Volume 1: teoria geral da empresa e direito societário. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 477).
O acionista minoritário pode ser o investidor “rendeiro”, sendo aquele que investe nas ações visando resultados, a longo prazo.
Mantem suas ações como investimento, visando lucro futuro.
Há também o denominado “acionista especulador”, que visam o ganho, com análise de mercado, adquirindo ações em baixa e vendendo quando alterado o valor.
Trabalha, assim, com os riscos de mercado, sempre visando a rentabilidade.
Pode haver minoria com mais ações que dão direito a voto e maioria, com menos ações que ensejam o direito de voto.
Quanto ao acionista controlador, o conceito está previsto no art. 116 da Lei 6.404/76.
Em resumo, é a pessoa natural ou jurídica, ou mesmo grupo de “pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
O ART. 53 DA LEI 11.101/05
Conforme exposto, o art. 53 da Lei 11.101/05, em linhas gerais, estabelece que o plano de reestruturação deve ser apresentado pelo devedor no prazo de 60 (sessenta) dias contados da publicação da decisão que determina o processamento da recuperação judicial, anexando-se toda a documentação prevista em seus incisos.
A lei faz referência a “devedor”, ou seja, o empresário ou a sociedade empresária que desenvolve atividade econômica organizada.
Mas, não chega a detalhes sobre quem, representando tais entidades, deve ser o responsável sobre tal documento apresentado no processo.
De acordo com Jorge Lobo, o problema é justamente este:
Os acionistas de companhias em regime de recuperação judicial podem participar da discussão e elaboração do plano de reestruturação?
O jurista entende que, visando a suprir a lacuna verificada no art. 53, possível se utilizar da denominada heterointegração, que consiste na integração operada através do recurso a ordenamentos diversos…, a ordenamentos vigentes contemporâneos” (Norberto Bobbio, “Teoria do Ordenamento Jurídico”, edipro, 2016, p. 138), conforme texto mencionado.
Ainda, faz referência à autointegração, aplicando-se a regra do art. 4º da Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro (Lei 4.657/1942).
A LEGISLAÇÃO NORTE-AMERICANA SOBRE O TEMA
Interessa aqui o teor do Bankruptcy Code, mais especificamente o Capítulo 11, que trata do processo de reestruturação de empresa com desequilíbrio financeiro e a proteção judicial.
Em termos, a lei falimentar estadunidense foi uma das bases para a Lei 11.101/05.
Da lei norte-americana consta que o devedor poderá apresentar um plano de reestruturação, no prazo de até 120 dias aços a ordem de tutela. Por outro lado, o comitê de credores, o comitê de títulos patrimoniais, credor etc., também poderá registrar o plano, se:
- a trustee has been appointed under this chapter;
- the debtor has not filed a plan before 120 days after the date of the order for relief under this chapter; or
- the debtor has not filed a plan that has been accepted, before 180 days after the date of the order for relief under this chapter, by each class of claims or interests that is impaired under the plan
Seção 1.1221 (c)(1) (2) (3)
A legislação norte-americana sobre o tema permite a nomeação e instalação de comitê de acionistas visando a participação na elaboração do plano.
Na Seção 1.102 (a) (1), que trata dos Comitês de credores e detentores de títulos patrimoniais, poderá haver tal nomeação, visando a assegurar uma representação adequada dos credores ou dos detentores de títulos de capital.
O Trustee faz a nomeação: Except as provided in paragraph (3), as soon as practicable after the order for relief under chapter 11 of this title, the United States trustee shall appoint a committee of creditors holding unsecured claims and may appoint additional committees of creditors or of equity security holders as the United States trustee deems appropriate.
De acordo com a Seção 1.103 – que trata dos poderes e deveres, tal Comitê poderá:
consult with the trustee or debtor in possession concerning the administration of the case;
Seção 1.103 (c) (1)
investigate the acts, conduct, assets, liabilities, and financial condition of the debtor, the operation of the debtor’s business and the desirability of the continuance of such business, and any other matter relevant to the case or to the formulation of a plan;
Seção 1.103 (c) (2)
participate in the formulation of a plan, advise those represented by such committee of such committee’s determinations as to any plan formulated, and collect and file with the court acceptances or rejections of a plan;
Seção 1.103 (c) (3)
O jurista Jorge Lobo faz constar de seu brilhante texto que:
Da interpretação do art. 53, conclui-se que os acionistas podem – e devem – tomar parte ativa, quiçá decisiva, ainda que indiretamente, no enfrentamento da crise da empresa, porquanto a LRFE não proíbe, nem expressa, nem implicitamente, que eles discutam e participem da elaboração do plano de reestruturação e reerguimento, e, portanto, no momento, no país, da discussão e elaboração do plano de dezenas de companhias de capital aberto de grande porte em recuperação judicial, com passivos bilionários e centenas de milhares de acionistas, denominados minoritários, mas que, em verdade, possuem juntos a maioria do capital social
E finaliza:
Em resumo e em conclusão: a omissão do art. 53 da LRFE deve ser suprida com o recurso (a) ao Direito Comparado, que prevê a criação do “comitê de acionistas”, (b) ao princípio geral do direito, segundo o qual “tudo o que não é proibido, presume-se (juridicamente) permitido”, e (c) à analogia, aplicando-se, por inferência, as normas de constituição e funcionamento do conselho fiscal e de eleição dos membros do conselho de administração das companhias, quando adotado o “processo do voto múltiplo”
O objeto cognoscível (Lei 11.1015) colocado diante do sujeito cognoscente (intérprete) é muito rico, permitindo que pesquisas acadêmicas sejam levadas a efeito acerca de variados temas.
A regra do art. 53 da Lei 11.101/05 é um deles, sendo que novas reflexões serão apresentadas, oportunamente.