CREDORES TRABALHISTAS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
O texto apresentará algumas reflexões a respeito da situação dos credores trabalhistas na recuperação judicial. Não sendo o caso de diagnóstico preliminar, ou seja, perícia prévia para verificar especificamente as condições de funcionamento da atividade econômica e a regularidade/completude da documentação acostada à inicial da ação de recuperação judicial, e, avaliando que estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, o juiz determinar o regular processamento da reestruturação.
Desta decisão haverá efeitos jurídicos e econômicos em relação à pessoa jurídica, seus credores e colaboradores, dentre outros. A este texto interessa tão somente as questões que envolvem os credores trabalhistas.
O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da publicação da decisão que determina o processamento da recuperação judicial, a recuperanda deve apresentar o plano de recuperação, conforme artigo 53 da Lei 11.101/05.
Este plano, fundamental para a tentativa de reerguimento empresarial, deve ser elaborado dentro dos requisitos legais, demonstrando que a empresa é viável e reúne condições de honrar os compromissos a tempo e modo corretos, e se manter no mercado.
Ainda, haverá de apresentar todos os meios de reestruturação no plano de recuperação judicial, sendo que a lei apresenta hipóteses não exaustivas. Outras possiblidades poderão ser implementadas.
Deve apresentar o laudo econômico-financeiro e de avaliação de todos os ativos da pessoa jurídica, documento a ser assinado por profissional habilitado ou entidade especializada. Por fim, para que reúna as condições de aprovação, o plano haverá de ser consistente, transparente e de acordo com a realidade.
OS CRÉDITOS SALARIAIS E O PLANO
Os créditos salariais – natureza alimentar – têm tratamento especial na lei, considerando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Diz a lei que o plano não poderá prever prazo superior a 1 ano para pagamento dos créditos salariais e as indenizações por acidente do trabalho, vencidos até a data da distribuição da ação.
Por outro lado, consta do art. 54, §1º, que o plano não poderá prever prazo superior a 30 dias para pagamento, limitado a 5 salários-mínimos, por trabalhador da recuperanda, dos créditos salariais, vencidos nos 3 meses anteriores ao ajuizamento da ação de recuperação judicial.
Pela regra do §2º, o prazo de 1 ano para pagamento dos créditos salariais e decorrentes de acidente do trabalho poderá ser estendido em até 2 anos, se o plano atender, de forma cumulativa, estes requisitos: (i) devem ser apresentadas garantias, reputadas suficientes, no entendimento do juiz; (ii) os titulares de créditos trabalhistas ou decorrentes de acidente de trabalho devem aprovar a pretensão [art. 45, §2º – maioria simples dos credores presentes em assembleia, independentemente do valor do crédito] e, (iii) haja garantia de que todos os créditos trabalhista serão pagos.
OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS PÓS-RECUPERAÇÃO
Considerando as questões apresentadas no art. 54 da Lei 11.101/05, ou seja, (i) pagamento do passivo trabalhistas e indenização por acidente de trabalho em 1 ano e (ii) pagamento dos salários atrasados (3 últimos meses antes da distribuição da ação) – até o limite de 5 salários-mínimos por trabalhador, com pagamento em 30 dias, o plano pode estabelecer outras regras e condições para obrigações não adstritas ao contido no art. 54, ou seja, as obrigações trabalhistas pós-recuperação.
Dito de outro modo, mas com igual alcance, as obrigações trabalhistas pós-recuperação que se vencerem após a distribuição da ação podem receber outro tratamento no plano, cabendo à assembleia geral de credores deliberar a respeito.
AS AÇÕES TRABALHISTAS
Nas ações trabalhistas, onde se demanda quantia ilíquida, terão prosseguimento regular, ao tempo em que se determina o processamento da recuperação judicial.
É o que consta do art. 6º, §1º da lei. Possível que o juízo pelo qual tramitam as ações trabalhistas determine a reserva da importância estimada [art. 6º, §3º].
A competência, portanto, é do juízo trabalhista e não do juízo recuperacional. Pelo Decreto-Lei 7.661/45 (art. 130), quem determinava a reserva era o juízo falimentar.
Há um detalhe peculiar, que merece ser apontado. Estabelece a regra do art. 49 da lei que sujeitar-se-ão ao regime recuperatório todos os créditos existentes na data da distribuição da recuperação judicial, mesmo que ainda não vencidos.
Esta a regra geral.
Quanto as ações trabalhistas, há expectativa de direito até que a sentença de mérito seja proferida.
Antes, inexiste efetivo crédito; inexiste direito propriamente dito. No caso específico da reestruturação judicial, a reserva de valor, a que faz menção a lei, somente terá valia se: (i) houve sentença condenatória com transito em julgado; (ii) o processo trabalhista já se encontra na fase de liquidação, mas ainda não definido o efeito montante.
É justamente neste ponto fulcral que tem pertinência a reserva de valor, aquele montante estimado, ou seja, algo que pode ser efetivamente arbitrado em sede de liquidação.
RESERVA DE CRÉDITO E PLANO
Estabelece o art. 6º, 2º, da Lei 11.101/05 que permite-se pleitear, perante o administrador judicial, a habilitação, exclusão o modificação dos créditos trabalhistas, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.
Esta parte final do dispositivo tem relação com o processo de falência. Após devidamente julgadas a ação trabalhistas, com sentenças transitadas em jugado e devida fixação do exato montante devido, deveria, em tese, ser incluído o crédito no plano de reestruturação.
Porém, quanto a reserva de crédito e plano no regime recuperatório, a lei é silente no que diz com o pagamento. Nada consta a respeito de como são pagos os valores reservados pela Justiça do Trabalho.
A regra do art. 54, conforme visto, é clara quanto a determinadas situações envolvendo os trabalhistas e indenizações decorrentes de acidente do trabalho, ou seja, créditos vencidos até a data do ajuizamento da recuperação judicial. Ainda, normatiza a questão dos salários atrasados nos 3 meses anteriores à distribuição da ação recuperacional, apenas. Sobre o tema, ou seja, a reserva de crédito e o efetivo pagamento, escreve Manoel Justino Bezerra Filho:
Em tal caso, o juiz da recuperação deverá optar entre duas possiblidades: ou determina que a matéria seja solucionada em assembleia geral de credores ou, alternativamente, reconhece que a não apresentação do crédito no plano de recuperação equivale à ausência de alteração das condições originais de pagamento, na forma do §3º, do art. 45. Esse §3º prevê que o devedor poderá, no plano apresentado, manter as mesmas condições originais do pagamento dos créditos arrolados no plano. Eventualmente, haverá ainda uma terceira opção, que ocorrerá se o plano trouxer previsão idêntica parar todos os credores da mesma classe; nesse caso, o crédito habilitado deverá também seguir os mesmo parâmetros ofertados no plano
(Lei de recuperação de empresas e falência comentada. 4ª edição. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2007, pp. 63-64)
A RECUPERANDA, APÓS A PRIMEIRA DECISÃO JUDICIAL
Após o juiz determinar o processamento da recuperação judicial, a atividade econômica dever ter continuidade, visando a concessão judicial e efetivo cumprimento do plano de reestruturação. A decisão do art. 52 da lei não define, de forma efetiva, os rumos da pessoa jurídica mergulhada em crise.
A aprovação do plano, em assembleia de credores ou, inexistindo objeção por parte de credor, sendo dispensável o ato assemblear, ou diretamente sendo observada a regra do art. 58, aí sim a empresa demonstra viabilidade e tem o direito de se manter no mercado competitivo.
Dito de outro modo, aprovado o plano por assembleia, ou na ausência desta, acolhido pelo magistrado, aí sim, haverá o direito ao cumprimento do plano de reestruturação. A recuperanda, após a primeira decisão judicial, deverá se reestruturar internamente, visando o efeito prosseguimento da atividade e cumprimento das obrigações pretéritas e futuras.
A recuperanda, após a primeira decisão judicial (art. 52), deverá cumprir todas as obrigações, inclusive as trabalhistas. Assim se posicionou o Superior Tribunal de Justiça: Estão sujeitos à recuperação judicial os créditos existentes na data do pedido, não se submetendo aos seus efeitos os créditos posteriores ao pleito recuperacional (Jurisprudência em Teses n. 37).