Execução Do Saldo da Dívida E A Reestruturação Judicial
O tema deste texto é interessante: o plano de recuperação judicial é aprovado pelos credores, havendo a novação do crédito (art. 59 da Lei 11.101/05), podendo o credor acionar os garantidores (art. 49, §1º, da Lei 11.101/05).
A questão que fica é justamente esta: pode haver cobrança integral da dívida em relação aos coobrigados? Correta a execução do saldo da dívida em face do garantidor? Como fica a execução do saldo da dívida e a reestruturação judicial?
A resposta é simples e tem como base o direito material, a boa-fé objetiva, a probidade e a proibição de enriquecimento sem causa e impossibilidade de recebimento em duplicidade (bis in idem).
A CONSERVAÇÃO DE DIREITOS EM RELAÇÃO A AVALISTAS E FIADORES
Estabelece a regra do art. 49, §1º, da Lei 11.101/05 que os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.
Destarte, há a conservação de direitos em relação aos coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.
Já escrevi sobre a questão: Recuperação judicial e coobrigado. In- Temas de recuperação empresarial e falência. Curitiba: Editora Íthala, 2012.
Acentuei que:
No que se refere à questão relativa aos coobrigados do devedor recuperando, restou aqui entendido que sua situação jurídica guarda certas e evidentes peculiaridades, uma vez que pode ser, efetivamente, beneficiado com o plano de reestruturação aceito pelos credores. Nessa linha, e porque a novação operada guarda sintonia imediata com o plano de reestruturação e saneamento, entende-se que eventual execução de título extrajudicial ajuizada em face dos coobrigados [avalista e fiador] deverá ser suspensa até que se definam os rumos do recuperando (op. cit., p. 174)
O Superior Tribunal de Justiça já sumulou a questão:
A recuperação judicial do devedor principal não impede o ‘prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória
Portanto, o deferimento do processamento da recuperação judicial do devedor principal não impede o ajuizamento ou prosseguimento das ações e execuções em face de avalistas e fiadores. Há conservação de direitos em relação a estes.
Logrando-se êxito na aprovação do plano de reestruturação, nos termos do art. 59 da Lei 11.101/05, haverá a novação, permitindo-se o ajuizamento ou prosseguimento das ações e execuções em face daqueles que se comprometeram ao pagamento da dívida, juntamente com o devedor principal.
A EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL PELO VALOR REMANESCENTE
Em decorrência do que estabelece a Lei 11.101/05, pode o credor, não obstante a aprovação do plano de soerguimento, buscar a satisfação do crédito em face dos coobrigados, mas tão somente pelo saldo e não pela totalidade da dívida.
A execução de título extrajudicial pelo valor remanescente – que não consta do plano – é permitida. Tendo sucesso na execução, deve comunicar o fato ao juízo da recuperação e vice-versa.
Assim decidiu o e. Tribunal de Justiça do Mato Grosso:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DECISAO QUE REJEITOU EXCEÇÃO DE PRE-EXECUTIVIDADE E DETERMINOU O PROSSEGUIMTNO DA EXECUÇÃO EM FACE DOS COOBRIGADOS TÃO SOMENTE SOBRE O VALOR QUE SOBEJAR AO VALOR NOVADO PELO DEVEDOR PRINCIPAL – PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO CONTRA OS DEMAIS COOBRIGADOS PELA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA – IMPOSSIBILDIADE – ‘BIS IN IDEM’ – DECISÃO MANTIDA – AGRAVO DESPROVIDO
(TJMT, 2ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento n. 1018468-46.2022.8.11.0000, relator Des. Sebastião de Moraes Filho, julg. 03/03/2023)
Não seria razoável permitir que o credor busque a satisfação da integralidade da dívida – em relação aos coobrigados -, quando parte dela já consta do plano de reestruturação. Pode haver execução de título extrajudicial pelo valor remanescente
AINDA A QUESTÃO DO SALDO REMANESCENTE
A execução de título extrajudicial não pode e não pode prosseguir pela integralidade do débito. Somente pode ser buscado o saldo remanescente e há razões para tanto.
De fato, a Lei 11.101/05, em seu art. 49, §1º, estabelece que há conservação de direitos em relação aos coobrigados, sendo silente a respeito do montante da dívida que pode ser cobrado.
Não está escrito na Lei 11.101/05 que os credores só podem cobrar o saldo em aberto em relação a fiadores, avalistas e demais garantidores.
A cobrança em duplicidade é indevida e o enriquecimento sem causa faz com que haja a obrigação de devolver o que não é correto (de forma atualizada),
É a regra do art. 884 do Código Civil. Ainda, impera a boa-fé objetiva (Código de Processo Civil, art. 5º).
Portanto, quanto ao saldo remanescente, a Lei 11.101/05 não precisa discorrer sobre certas questões que o próprio Direito Civil, ou seja, não se permite a cobrança em duplicidade de dívida.
PERGUNTAS SOBRE O TEMA
A determinação de processamento da recuperação judicial suspende apenas o andamento das execuções em relação ao devedor?
Sim, conforme regra do art. 6º, inc. II, da Lei 11.101/05, Em relação a avalistas, fiadores e demais coobrigados, não há a suspensão, por força do art. 49, §1º da mesma lei.
Em sendo homologado o plano de reestruturação – com a novação das dívidas -, pode o credor acionar os coobrigados pela totalidade do débito?
Entende-se que não, conforme exposto. Pode, isso sim, buscar o recebimento dos valores não contidos no plano, ou seja, o saldo remanescente [não sendo permitido o pagamento em duplicidade, por evidente]. Caso receba algo, deve comunicar ao juízo da recuperação e vice-versa.