FALÊNCIA E RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
Este texto apresentará algumas observações sobre a falência e a responsabilidade dos sócios. São muitas indagações daqueles que fazem parte de sociedade empresária a respeito do importante tema.
Mesmo que com nova lei no ordenamento jurídico – Lei 11.101/05 – é bastante comum não se fazer a diferenciação entre pessoa jurídica e seus componentes. Aliás, o art. 49-A do Código Civil é nesta linha, pois, a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
Ora, via de regra, a falência da pessoa jurídica não importa a “falência” de seus componentes [aliás, societas distat a singulis]. Por fim, importante ressaltar a regra do art. 795 do Código de Processo Civil assim dispõe: Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei.
SÓCIO DE RESPONSABILIDADE ILIMITADA
O Código Civil manteve alguns obsoletos tipos societários, que raramente são observados por aqueles que pretendem constituir pessoa jurídica [sociedade em nome coletivo – responsabilidade também é solidária e ilimitada –pode ser citada].
Difícil imaginar, em tempos de economia pós-moderna, sociedade empresária com sócio solidária e ilimitadamente responsável pelas obrigações sociais. Tome-se como exemplo a sociedade em comandita simples.
Nesta há a peculiaridade de que o componente será sócio [comanditado] de responsabilidade ilimitada (Cód. Civil, art. 1.045). Em situação tal, vindo a falir a entidade jurídica, a regra do art. 81 da Lei 11.101/05 é no sentido de que haverá a falência de tal sócio.
Mas há vários detalhes quanto a isso, pois: (i) o sócio deve ser citado para apresentar defesa, observados os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal substantivo; (ii) no art. 81, §1º, da Lei 11.101/05 há exceção para excluí-lo do processo, quando se verificar a situação no caso concreto; (iii) ocorrendo a falência do agente econômico e não sendo acolhida a contestação do sócio, o efeito jurídico é sua falência também.
Ora, nem sempre a falência da empresa implica a falência do sócio solidário. A falência do sócio solidário pode não ocorrer e o mito de que “sócio solidário” responde, necessariamente, pela falência da pessoa jurídica deve ser recebido com reservas.
SOCIEDADE LIMITADA E RESPONSABILIDADE DE SÓCIO
A sociedade limitada é o tipo mais comum no país. A responsabilidade de seus componentes é limitada ao valor das suas quotas sociais, mas todos respondem de forma solidária pela integralização do capital social.
É a regra do art. 1.052 do Código Civil. Um pequeno parêntesis: o art. 1.053, parágrafo único, do mesmo Código Civil estabelece que o contrato social pode prever a regência supletiva da sociedade pelas regras da Lei 6.404/76 (sociedades anônimas).
Para tanto, o contrato social deve ser expresso neste sentido [cláusula contratual dispondo a respeito].
Recomenda-se que a sociedade limitada seja regida, de forma supletiva, pela Lei 6.404/76, lei esta de caráter mais abrangente e que envolve várias situações não previstas no Código Civil.
A responsabilidade de sócio que participa de sociedade limitada é limitada ao valor de sua participação social. Caso apenas subscreva o capital social e não integralize, ficando em mora, essa é outra questão, que deverá ser resolvida com base no art. 82 da Lei 11.101/05, mas não implica a falência de sócio.
A ação de responsabilidade prescreve em 2 (dois) anos a contar do trânsito em julgado da sentença que encerra a falência.
Por força do art. 82, §2º, da mesma lei, o juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização. Entende-se que tal medida deve ser tomada no processo próprio.
O que não pode é haver a arrecadação de bens dos sócios de sociedade limitada. Aliás, o dispositivo carece de interpretação, porquanto, o que seria “quantidade compatível” de bens? Certamente é aquela apontada pelo autor da ação, mas que pode não corresponder à realidade.
A Lei 11.101/05, em determinados dispositivos, não tem boa técnica, ao se referir a “falido”, sem fazer as distinções necessárias entre pessoa jurídica falida e sócios ou acionistas dela participantes [exemplo: art. 103 da lei]. Os enunciados legais hão de ser interpretados cum grano salis.
O art. 50 do Decreto-Lei 11.101/05 não foi reiterado na Lei 11.101/05 [refere-se especificamente à ação para integralização de capital social]. A regra do art. 82 da atual lei, de fato, conferiu maior amplitude quanto a responsabilização de sócios e estabelece o prazo prescricional, o que não se vê no art. 50 da lei anterior.
Encerrado o processo de falência, por sentença, desaparece do mundo jurídico a massa falida e não mais poder-se-á falar em juízo universal, que pela lei atrairia a competência para tal ação.
Transitada em julgado a sentença que declara encerrada a falência, automaticamente está afastada qualquer possibilidade de ajuizamento de ação perante o juízo pelo qual tramitava o processo falimentar.
De fato, salvo engano, não haveria sentido lógico (e prático) se, encerrada a falência, fosse ajuizada a ação. Esta deve ser ajuizada no decorrer do processo.
OBRIGAÇÕES NA FALÊNCIA
As entidades falidas serão representadas no âmbito do processo falimentar por seus administradores ou liquidantes [Lei 11.101/05, art. 81, §2º]. Dentre as obrigações, citem-se: Lei 11.101/05, art. 99, inc. III; art. 104.
Ressalte-se que a regra do art. 104, inc. III, é no sentido de que os representantes legais da falida se não podem ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas na lei.
Significa isso dizer que há várias obrigações na falência que necessariamente devem ser cumpridas, sob pena de cometimento de crime de desobediência (Lei 11.101/05, art. 104, parágrafo único: Faltando ao cumprimento de quaisquer dos deveres que esta Lei lhe impõe, após intimado pelo juiz a fazê-lo, responderá o falido por crime de desobediência].
Por outro lado, pode o sócio se ausentar da Comarca onde tramita o processo de falência, contanto que seja comunicado ao Juízo e que haja procurador habilitado. Ainda, deve haver motivo justo para tal ausência.
Portanto, considerando a complexidade do processo de falência, que envolve muitos direitos e interesses, é importante que seja acompanhado pela entidade falida, visando dar cumprimento às ordens judiciais.
A falida, por seus representantes, tem o dever e o direito de se pronunciar tanto na falência quanto em todos os demais incidentes. Não se olvide da regra do art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil.
Evidentemente que a entidade falida tem direitos no âmbito do processo falimentar [Lei 11.101/05, art. 103, parágrafo único], sendo que o tema será objeto de outro escrito, oportunamente.
PERGUNTAS
1 – Como fica a situação de sócio de sociedade limitada após a falência desta?
O sócio que tenha integralizado sua participação societária, cumprindo todas as suas obrigações perante a sociedade, e não delibere contra o contrato ou a lei; caso os demais sócios também tenham cumprido sua obrigação – a integralização do capital social -, não poderá esse mesmo sócio quotista ser instado a responder [com seus bens pessoais] pela falência da pessoa jurídica.
Por outro lado, pode haver desconsideração da personalidade jurídica, em relação ao sócio, se presente alguma situação prevista no art. 50, do Código Civil, por exemplo.
2 – O SÓCIO DA ENTIDADE FALIDA É CONSIDERADO FALIDO?
Não é considerado falido e muito menos pode haver arrecadação de seus bens pessoais. A exceção existe quando se tratar de sócio com responsabilidade solidária e ilimitada. Conforme regra do art. 81, da Lei 11.101/05, em caso de pedido de falência, deverá ele ser citado para que apresente defesa, querendo.
3 – O SÓCIO DE PESSOA JURÍDICA FALIDA PODE SE AUSENTAR DA COMARCA?
Pode se ausentar, contanto que (i) haja motivo justo; (ii) comunique o fato ao Juízo falimentar e (iii) deixe procurador habilitado, com poderes de representação processual.