PEDIDO DE AUTOFALÊNCIA
Neste espaço serão apresentadas algumas reflexões sobre a necessidade de se requerer judicialmente a abertura da falência [autofalência].
Ocorrerá quando o agente econômico se encontra mergulhado em crise patrimonial inarredável e inexiste possiblidade de se valer de uma das formas de reestruturação, previstas na Lei 11.101/05. A lei não estabelece dever de requerer a autofalência e muito menos impõe penalidade a quem não o faz.
Toda a pessoa jurídica que se encontra em crise patrimonial, se não podendo valer de regime recuperatório, deve(ria) requerer a abertura judicial da autofalência.
Postergar o pleito talvez não seja a melhor alternativa. A falência deve ser requerida, até para não prejudicar o mercado em que atua o agente econômico.
PEDIDO DE AUTOFALÊNCIA FRENTE AOS SISTEMAS CAPITALISTAS E MERCADO
O mundo abriu ainda mais suas fronteiras, a partir da segunda metade do século XX. Em sistemas capitalistas, adotadas por vários países, inclusive o Brasil, o mercado se sobrepõe. É ele, em última análise, que determina se uma pessoa jurídica será mantida ou cabe se retirar.
O mercado, conforme pondera Eros Roberto Grau, se traduz em instituição jurídica e opera sob dois requisitos: a calculabilidade econômica e a previsibilidade de comportamentos [A ordem econômica na Constituição de 1988. 11ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2006].
Há regras próprias do mercado, que devem ser observadas por todos aqueles que nele operam. A atuação deve ser com segurança, estabilidade, regularidade e constância.
Visando a não desestabilização do mercado e insegurança aos que neles operam, a Lei 11.101/05 estabelece que a pessoa jurídica pode requerer judicialmente o pedido de autofalência.
A retirada do mercado, aos que se encontram em crise patrimonial, visa o saneamento dos que nele operam e a própria preservação do crédito.
CRITÉRIOS DA LEI PARA A AUTOFALÊNCIA
A Lei 11.101/05 apresenta algumas inovações em relação ao texto legal de 1945, podendo-se apresentar algumas delas. Um dos critérios é a não fixação de prazo para que se requeira a autofalência.
Antes, deveria ser requerida pela pessoa jurídica em 30 (dias).
Também não se impõe qualquer “penalidade” ao que não requer a abertura judicial da falência.
Dito de outro modo, inexiste o dever jurídico de buscar a retirada do mercado. São os titulares da pessoa jurídica que devem decidir se haverá ou não pedido de autofalência.
O texto legal de 2005 é no sentido de que
O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial
A CRISE PATRIMONIAL INAFASTÁVEL
Havendo a crise patrimonial inafastável, ou seja, o montante das dívidas supera o valor total do patrimônio, é prudente que se busque a tutela estatal, visando a retirada do mercado.
Sendo incabível qualquer regime recuperatório, não há o porquê de se manter a atividade econômico, aumentando o passivo, impagável, criando insegurança no mercado e fazendo com outros parceiros comerciais também entrem em crise, diante do inadimplemento.
Aliás, crise patrimonial inafastável não tem necessariamente nada a ver com falta de pagamento a tempo e modo oportunos.
Não cabe confundir cessação de pagamento com insolvência. A cessão é fato (mais passivo que ativo). A insolvência é a inadimplência, a impontualidade no pagamento.
O devedor pode ser insolvente e pontual. Mesmo na hipótese de não ter deixado de pagar determinada dívida, há a possiblidade de requerer a falência.
Inexiste a necessidade de que haja pluralidade de credores. A insolvência da pessoa jurídica não é resultado do número de credores. O concurso destes nem sempre se estabelece em situações concretas.
Basta a confissão espontânea do devedor de que não tem condições de se manter no mercado competitivo. É de sua iniciativa ajuizar a ação de autofalência.
Pontes de Miranda ensina:
O pressuposto da pluralidade de credores verificada no momento da decretação de abertura da falência não existe, como pressuposto necessário, no sistema do direito concursal. E é bem que assim seja. Há interesse do credor único do insolvente em que se tragam à estrada executiva os ‘outros’ credores; e é de interesse do Estado que não se atenda, exclusivamente, ao credor que primeiro pede a execução forçada. A pluralidade pode vir a existir, tanto mais quanto se permite a habilitação de credores retardatários. A pluralidade pode desaparecer, se todos menos um dos credores fizerem as suas declarações de crédito foram expelidos da concorrência (não foram admitidos pelo juiz, em julgamento de ‘plena cognitio’, ou contra eles houve provimento de recurso)
(Tratado de direito privado. Parte Especial. Tomo XXIX. 3ª ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 123. Destaques no original)
A crise patrimonial irremediável não resulta do número de credores da pessoa jurídica. Esta pode ter apenas um credor e verificar que não tem condições de honrar o pagamento da dívida, pois, está mergulhada em crise patrimonial.
O profissional que subscrever a petição inicial de pedido de autofalência deverá ter podres especiais, conforme artigos 105 e 300, §1º, do Código de Processo Civil.
AS EXIGÊNCIAS LEGAIS PARA O PEDIDO DE AUTOFALÊNCIA
O art. 105 da Lei 11.101/05 apresenta relação de documentos que devem ser apresentados em juízo (além de outros relacionados no Código de Processo Civil).
São exigências legais que, não cumpridas, podem levar ao indeferimento da petição inicial. Alguns deles ficam a cargo do responsável pela contabilidade da pessoa jurídica.
As demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e aquelas levantadas especialmente para instruir a ação de autofalência, que devem estar acompanhadas de: balanço patrimonial, demonstração de resultados acumulados, demonstração do resultado desde o último exercício social, relatório de fluxo de caixa.
Ainda, indispensável a lista de credores (indicação de endereço, importância, natureza e classificação dos créditos), relação dos ativos, estimando-se o valor, juntando a prova da propriedade.
Ainda, como exigência para a autofalência, a lei impõe que haja a prova da condição de empresário, com a anexação dos documentos societários, indicando-se todos os sócios e acionistas (especificando endereços e relação de bens pessoais).
Quanto aos livros obrigatórios e documentação contábil, devem ser apresentados quando da distribuição da ação. Os livros são encerrados, com a entrega destes e dos demais documentos ao administrador judicial, oportunamente, para fins de arrecadação e perícia.
A AÇÃO DE AUTOFALÊNCIA
Distribuída a ação de autofalência, os autos do processo são encaminhados ao magistrado, que poderá:
(i) Determinar que a documentação seja complementada, fixando-se prazo de 15 (dias), sob pena de indeferimento (CPC, art. 321). Havendo cumprimento da determinação judicial, poderá ser aberta a falência ou indeferida a petição inicial.
(ii) Indeferir de plano a petição inicial, porque, por exemplo, não é o caso de autofalência ou porque presente uma das hipóteses previstas no art. 330 do Código de Processo Civil.
(iii) Ainda, poderá ser verificada a incompetência do Juízo, cabendo a remessa dos autos do processo ao Juízo competente.
(iv) Por fim, considerando correta a documentação apresentada, acolhendo as razões, do devedor, o magistrado decretará a abertura judicial da falência, cumprindo todos os requisitos do art. 99 da Lei 11.101/05.
RECURSO CONTRA A SENTENÇA JUDICIAL QUE DECRETA A FALÊNCIA
A Lei 11.101/05 estabelece que, da decisão que decreta a falência, cabe agravo de instrumento. As regras são aquelas do Código de Processo Civil.
Os credores que não concordam com a falência poderão ser valer do agravo de instrumento, visando o reexame da sentença, pelo Tribunal. Devem apresentar razões e fundamentos plausíveis.
Apenas em tese, uma das razões que poderão ser utilizadas pelos credores, na esfera recursal, é o não perfeito esclarecimento das questões de ordem fática que levaram a pessoa jurídica a requerer a autofalência.
Em resumo, os fatos alegados pelo devedor se não encontram perfeitamente esclarecidos.
Para tentar que se imprima efeito suspensivo aos termos da sentença de primeiro grau, caberá ao credor apresentar motivos relevantes, calcados em documentação robusta.
Quanto aos sócios e acionistas, a atual lei não manteve o texto do art. 8º, do Decreto-Lei 7.661/45. O tema é relevante, no que se refere à oposição de sócios e acionistas, de modo que será tratado em outro artigo, oportunamente.