Pode Haver Oposição De Sócio Ao Pedido De Autofalência?
Em época de acentuada crise econômica, muitas pessoas jurídicas se valem do instituto da autofalência – em conformidade com a Lei 11.101/05 -, visando a retirada do mercado.
Quando a crise da pessoa jurídica é patrimonial [o valor das dívidas supera o montante patrimonial], não cabem regimes recuperatórios, mas sim autofalência.
A reestruturação em situação tal poderia, em tese, aumentar o passivo do agente econômico.
Referida lei de 2005 não seguiu as linhas do Decreto-Lei 7.661/45, a respeito da oposição de sócio (ou acionista) ao pedido de autofalência formulado pela entidade jurídica.
Em outros termos, o art. 8º, §1º, do decreto-lei não se faz presente no atual texto normativo. O art. 105 da Lei 11.101/05 excluiu os parágrafos até então existentes no regime legal de 1945.
Nessa linha, a obrigatoriedade de o devedor requerer a abertura da falência no prazo de 30 (trinta) dias, diante do não pagamento de obrigação líquida vencida (sem relevante razão de direito), também não mais está em vigor.
Portanto, inexiste prazo para se requerer a autofalência, de modo que, por consequência, juridicamente não há penalidades a quem não o faz, mesmo estando em crise patrimonial inafastável.
Cabem algumas breves considerações a respeito do tema, porquanto a abertura judicial da falência acarreta efeitos não somente ao agente econômico, como também aos sócios/acionistas [sem descuidar de credores, dos colaboradores da pessoa jurídica etc.].
O PODER-DEVER DE REQUERER A AUTOFALÊNCIA
O agente econômico mergulhado em crise financeiro-econômica tem o poder-dever de requerer a autofalência. Mediante ação judicial, busca a sua retirada do mercado competitivo.
Há o direito, e também o dever, de assim agir, até para que sua crise não cause efeito multiplicador em relação aos demais agentes econômicos que atuam no mercado.
Assim agindo, de forma transparente e ética, cessando suas atividades e se retirando do mercado, via autofalência, mantém a estabilidade, a segurança, a regularidade, a constância e a previsibilidade deste mesmo mercado.
Por outro lado, a pessoa jurídica em crise, cumprindo a lei, evita prejuízos ao mercado e às demais entidades que nele operam.
Deixa de onerar ainda mais os credores, bem como seus colaboradores e demais parceiros comerciais.
A livre concorrência é uma das importantes vigas-mestras da ordem econômica nacional e do sistema capitalista.
Quem visa a operar no mercado necessita conhecer suas regras, seus princípios e cláusulas impostas a quem dele participa.
Há de estar ciente quanto aos riscos de atuar no mercado, considerando várias questões que podem causar mudanças significativas quanto ao desempenho do agente econômico, por exemplo.
O poder-dever de requerer a autofalência há de ser exercido pelos titulares da pessoa jurídica que, cientes da crise patrimonial inafastável, atuam de boa-fé objetiva, transparente e cumprem de forma efetiva a lei.
Dito de outro modo, o poder-dever de requerer a abertura da falência há de ser exercido imediatamente, detectada a insolvência.
Inexistindo condições de se valer de um dos regimes recuperatórios, porquanto a crise é patrimonial, o estado é de insolvência, o agente econômico tem o poder-dever de confessar sua real situação e, voluntariamente, se retirar do mercado, com a abertura da falência.
Para tanto, há de se ver amparado por equipe técnica multifuncional qualificada, especializada, visando a ingressar em juízo com a ação de autofalência.
Cabe delinear de forma exaustiva a situação fática, cumprindo todos os requisitos do art. 105 da Lei 11.101/05 e demais disposições legais.
O VENCIMENTO DE DÍVIDA E A PLURALIDADE DE CREDORES
O devedor não precisa aguardar o vencimento de obrigação líquida para confessar seu estado de insolvência.
Pode (e deve) se antecipar, preventivamente, demonstrando sua boa-fé objetiva, visando a abertura judicial da falência.
Por outro lado, inexiste exigência legal de que o devedor tenha vários credores. A pluralidade de credores não é requisito legal.
A crise patrimonial, a insolvência do agente econômico, não resulta, necessariamente, da quantidade de credores e natureza das dívidas.
Leciona Waldemar Ferreira:
Insensato seria o juiz que, recebido o pedido em tais termos, o despachasse determinando que o devedor aguardasse o vencimento de suas dívidas, a fim de, não as pagando, reiterá-lo
[Instituições de Direito Comercial. Quinto Volume. A falência. São Paulo: Freitas Bastos, 1951, p. 94]
Pontes de Mirada disserta:
O pressuposto da pluralidade de credores verificada no momento da decretação de abertura da falência não existe, como pressuposto necessário, no sistema do direito concursal. E é bem que assim seja. Há interesse do credor único do insolvente em que se tragam á estrada executiva os ‘outros’ credores; e é de interesse do Estado que não se atenda, exclusivamente, ao credor que primeiro pede a execução forçada. A pluralidade pode vir a existir, tanto mais quanto se permite a habilitação de credores retardatários. A pluralidade pode desaparecer, se todos menos um dos credores fizerem as suas declarações de crédito foram expelidos da concorrência (não foram admitidos pelo juiz, em julgamento de ‘plena cognitio’, ou contra eles houve provimento de recurso)
(Tratado de direito privado. Parte Especial. Tomo XXIX. 3ª ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 123. Grifos no original)
A NÃO CONCORDÂNCIA DE SÓCIOS OU ACIONSTAS COM O PEDIDO DE AUTOFALÊNCIA
Entende-se, salvo entendimento mais abalizado, que os sócios ou acionistas que discordam da autofalência a ela se podem opor, cotando que o façam de forma fundamentada e com base em provas.
A falência visa a tornar de direito determinada situação fática delineada.
O devedor, em crise patrimonial, se deve valer da Lei 11.101/05 e ingressar com a ação de autofalência.
Conforme exposto, em situação específica, qual mencionado, não caberia se valer de regime recuperatório, porquanto inócuo.
É seu dever expor todos os motivos que dão ensejo à ação judicial. Cabe delinear quais são os motivos que o impedem de continuar operando regularmente no mercado.
A assim denominada “oposição” ao pedido de autofalência é plenamente cabível, sendo este o entendimento, salvo melhor visão sobre a matéria.
Tal insurgência há de ser fundamentada, com lastro documental, provas a respeito do que se alega em juízo.
Tratando-se de sociedade limitada caberá deliberação dos sócios a fim de autorizar de forma expressa o pedido de autofalência, por interpretação teleológica do art. 1071, VIII do Código Civil.
O documento, aquele documento societário que materializa de forma efetiva a vontade dos participantes da sociedade quanto ao pleito, deve instruir a ação judicial.
No caso de sociedade por ações, em se tratando de sociedade anônima, caberá à assembleia geral extraordinária autorizar de forma expressa o administrador a confessar em juízo o estado de falência da pessoa jurídica.
Em caso de urgência no ajuizamento da ação falimentar, poderá fazê-lo, mediante concordância do acionista controlador, se houver, contanto que seja convocada assembleia geral para se pronunciar acerca da matéria.
Os representantes legais da sociedade empresária deverão assinar a petição inicial da ação de autofalência. Esses detalhes hão de se observados.
Quanto aos direitos fundamentais dos acionistas, o art. 109, III, da Lei 6.404/76, estabelece o direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais.
Em relação ao sócio participante de sociedade empresária limitada, caso não concorde com o pedido de autofalência, terá condições jurídicas de agir em juízo.
O magistrado, verificando a irregularidade quanto anuência ao pedido formulado pela pessoa jurídica [inexiste prova cabal de que houve autorização expressa para o pleito de autofalência], deverá, de ofício, determinar a intimação (via mandado) dos sócios ou acionistas discordantes para que se pronunciem, querendo, de forma fundamenta [apresentando provas], quanto a oposição materializada.
A não intimação dos sócios ou acionistas pode gerar nulidade processual.
No caso de companhia fechada, a questão é quiçá mais simples, levando-se em conta o número de acionistas.
Quando se está diante de uma anônima aberta, seus diretores ou controladores deverão ser intimados.
Os demais acionistas dissidentes também poderão se manifestar em juízo, querendo.
Portanto, malgrado o fato de não constar dispositivos sobre a questão na Lei 11.101/05, entende-se, salvo melhor entendimento, que podem os sócios ou acionistas dissidentes ingressar em juízo, via “oposição”, a fim de tentar obstar a decretação da falência do devedor.