Proteção De Dados Da Pessoa Física Na Recuperação Judicial
O texto apresentará algumas reflexões sobre a proteção de dados da pessoa física no processo de recuperação judicial.
A Lei n. 13.709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados [LGPD], que entrou em vigor no mês de setembro/2020, dispõe acerca do tratamento de dados pessoais, inclusive no âmbito digital, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou direito privado.
Em síntese, objetiva-se a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, bem como o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural [o ser humano].
O Código Civil, em seu art. 6º, estabelece que a existência da pessoa natural termina com a morte. Portanto, a Lei Geral de Proteção de Dados LGPD tem como finalidade precípua a proteção de dados das pessoas vivas, tão somente.
Neste contexto, cumpre examinar a proteção de dados da pessoa física na recuperação judicial.
A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
A Lei Geral de Proteção de Dados, conforme dito, visa a proteção de dados pessoais de pessoas naturais, os seres humanos, as pessoas físicas.
Os dados das pessoas se traduzem em informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável, de acordo com o art. 5º, inc. I.
A informação pode identificar diretamente uma pessoa natural, como por exemplo, seu nome completo, número de inscrição no CPF/MF, número de carteira de identidade.
A identificação pode ser indireta: é a associação de informações que, reunidas, são capazes de individualizar a pessoa e seus dados.
Por outro lado, os dados pessoais sensíveis são: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural [art. 5º, inc. II].
O tratamento de dados pessoais sensíveis somente pode ocorrer mediante consentimento do titular, conforme art. 5º, inc. XII, e art. 11, inc. I, da Lei Geral de Proteção de Dados.
A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A Lei Geral de Proteção de Dados na recuperação judicial é tema importante, cabendo algumas reflexões, considerando as disposições relativas à pessoa natural.
Quando da alteração da Lei 11.101/05, no final de 2020 [Lei 14.112/2020] perdeu-se a oportunidade de dispor a respeito da aplicação da LGPD na recuperação judicial e também no processo de falência.
Dito de outro modo, a lei de insolvência não apresenta nenhum dispositivo a respeito da proteção de dados das pessoas naturais em processos por ela regidos.
Não houve, por exemplo, qualquer alteração no tocante às responsabilidades do administrador judicial, especialmente no que se refere ao eventual vazamento [ou excesso de divulgação] de dados pessoais [informações].
Deve haver ampla aplicação da LGPD na recuperação judicial, principalmente por parte do administrador judicial, cabendo-lhe prudência no agir.
Não obstante os princípios da publicidade e interesse público, que hão de estar presentes tanto na recuperação judicial quanto na falência, é importante destacar que a Lei 11.101/05 deixa de prever atos sob segredo de justiça.
Entrementes, o direito acompanha a evolução da sociedade e, existindo no ordenamento jurídico lei específica que trata da proteção de dados de pessoas naturais, tal texto legal há de ser observado no âmbito dos processos regidos pela Lei 11.101/05.
Assim, há de ser observada a Lei Geral de Proteção de Dados na recuperação judicial.
O ADMINSTRADOR JUDICIAL E O TRATAMENTO DE INFORMAÇÕES PESSOAIS
No âmbito da recuperação judicial o importante órgão denominado de administrador judicial tem relevantes funções. Suas atividades são: jurídica, administrativa e fiscalizatória, cabendo, como dito, prudência no agir, desde que assume o cargo.
No tocante ao administrador judicial e o tratamento de informações pessoais, considerada a LGPD, é ele quem deve elaborar o quadro de credores, de modo que haverá de ter cuidado ao analisar documentos apresentados pelos credores, por exemplo.
Havendo aqueles que apresentem dados pessoais, há de restringir o acesso, cabendo decisão judicial neste sentido.
O acesso não autorizado a dados de credores pessoas físicas pode gerar transtornos, cabendo a devida proteção de dados pessoais.
Por outro lado, a verificação dos créditos é dever seu – do administrador judicial -, e certamente terá acesso a livros contábeis e fiscais da recuperanda, bem como a dados dos credores, contratos e assim por diante.
No tocante às pessoas físicas dos sócios, acionistas e acionista controlador, bem como credores – pessoas físicas -, deve ter redobrada cautela no agir, sob pena de responsabilização pessoal, nas várias esferas.
O administrador judicial e o tratamento de informações pessoais é, pode-se afirmar, tema relativamente novo, considerando a edição da Lei 13.709/2018, de modo que toda a cautela é exigida quando tiver em mão tanto documentos com dados pessoais dos representantes legais da recuperanda quanto de credores e terceiros.
Demais, os credores podem apresentar impugnação contra a relação de credores, de modo que cabe ao administrador judicial restringir o acesso a dados pessoais, caso algum deles pleiteie, por exemplo, o acesso a documentos [Lei 11.101/05, art. 22, inc. I, letras “a” e “b”].
RESTRIÇÃO DE ACESSO A DADOS PESSOAIS CONSTANTES DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Não obstante o princípio da publicidade dos atos processuais, quer-se crer que, com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados, há necessidade de se impor, via ordem judicial, a restrição de acesso a dados pessoais constantes da recuperação judicial.
Esses dados dizem respeito a todos os envolvidos no processo, não apenas à entidade recuperada, com também a credores e demais interessados.
Deste a petição inicial, caberá à parte autora da ação requerer as providências necessárias no sentido de restringir o acesso a dados pessoais de pessoas naturais, conforme determina a lei de regência.
Em resumo, por força de lei, cabe a restrição de acesso a determinados dados de pessoas físicas envolvidas no regime recuperatório, podendo ocorrer acesso, quando for o caso, apenas se comprovada a necessidade, finalidade e utilidade, vedando-se a publicidade.
A restrição de acesso a dados pessoais constantes da recuperação judicial é medida que se impõe, considerando a lei de regência.
RESPONSABILIADE DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
De acordo com o que foi exposto, e com base em simples leitura da Lei 11.101/05, nada foi dito a respeito da responsabilidade do administrador judicial, quanto ao vazamento de dados pessoais dos envolvidos no processo de reestruturação, por exemplo.
A regra geral quanto a responsabilidade do administrador judicial está prevista no art. 32 da Lei 11.101/05.
Em resumo, responderá pessoalmente por prejuízos causados à massa falida, ao devedor ou aos credores, por dolo ou culpa.
Ainda, consta do art. 31, quanto ao administrador judicial, que poderá ser destituído de ofício em caso de desobediência aos termos da lei, descumprimento dos deveres, omissão, negligência ou prática de ato lesivo às atividades do devedor ou a terceiros.
Em relação aos atos ilícitos eventualmente praticados pelo administrador judicial, aplicam-se as regras dos artigos 186 [responsabilidade subjetiva- ato, dano e nexo causal entre ambos bem como dolo ou culpa], 187 (ato ilícito por abuso de direito [ato, dano e nexo de causalidade entre ambos]) e 189 do Código Civil. Poderá haver responsabilização do administrador judicial em decorrência de atos omissivos ou comissivos – não observância da Lei 13.709/2018.
O exercício de importante cargo no âmbito da recuperação judicial e da falência exige boa-fé objetiva, ética e probidade, além da idoneidade financeira e moral.
Por fim, o inadequado tratamento de dados pessoais de pessoas físicas pode gerar responsabilidade do administrador judicial e dever de indenizar, observado o devido processo legal em ação própria.
A respeito da aplicação da Lei geral de Proteção de Dados no processo de falência, oportunamente serão apresentadas algumas reflexões.
PERGUNTAS SOBRE O TEMA:
1 – A Lei Geral de Proteção de Dados deve ser observada em processos regidos pela Lei 11.101/05?
No tocante a dados pessoais de pessoas naturais (credores, terceiros, sócios, acionistas e acionista controlador) há necessidade de observância da Lei 13.709/2018.
2 – Como se deve comportar o administrador judicial ao se deparar com dados pessoais, por exemplo, no momento da verificação de créditos?
É dever do administrador judicial proteger os dados pessoais de pessoas físicas envolvidas no processo de reestruturação, cumprindo rigorosamente a LGPD, sob pena de responsabilização pessoal.
3 – Em caso de inadequado tratamento de dados pessoais, poderá haver responsabilização pessoal do administrador judicial?
Não obstante a ausência de regramento próprio na Lei 11.101/05, o administrador judicial poderá ser responsabilizado pessoalmente por atos omissivos ou comissivos, conforme regras do Código Civil, observado o devido processo legal. Não se descuide de dispositivos constantes de outros diplomas legais, relativos à responsabilização.