CRISE E RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Os recentes indicadores são preocupantes. De acordo com matérias publicadas em vários sítios e jornais, e consoante informado pela Serasa Experian, houve substancial aumento do pedido de abertura judicial de falência no primeiro semestre de 2023. Quanto a recuperação judicial, igualmente houve aumento substancial em relação ao mesmo período do ano anterior [janeiro a junho], ou seja, em torno de 52% de elevação no primeiro semestre de 2023).
Ainda, segundo informações estampadas, é o pior resultado nos últimos 3 anos e nem mesmo na pandemia sanitária mundial houve tantas ações de falência e de recuperação judicial. Por fim, as micro e pequenas empresas são as mais afetadas pela crise e requereram a tutela estatal.
REFORMULAÇÃO DA LEI 11.101/05
Houve reformulação da Lei 11.101/05 em 2020, via Lei 14.112. Esta, de fato, apresentou importantes institutos advindos, principalmente, do regime falimentar norte-americano (Bankruptyc Code de 1978). Por outro lado, fez alguns ajustes pontuais no texto de 2005, mas não é o suficiente.
Certamente precisará passar por outras revisões legislativas, considerando a realidade da crise empresarial no Brasil; não é suficiente – em termos de efetiva aplicabilidade – para auxiliar na tentativa de soerguimento do agente econômico em crise. A lei francesa, por exemplo, poderá ser observada, para fins ajustes do microssistema falimentar brasileiro.
Considerando os números antes apresentados, preocupa a crise empresarial no país, e uma vez mais a Lei 11.101/05 precisa passar pelo teste da prática. Já passou quando do período de crise sanitária, mas agora, pelo que se vê dos números fornecidos pela Serasa Experian, a inadimplência se avoluma e até mesmo as grandes corporações se estão valendo da lei de 2005.
Com isso, por óbvio, as demais entidades [principalmente as micro e pequenas empresas] que fazem parte do mercado, não raro dependem das destas maiores, pois fazem parte inclusive da cadeia de produção, circulação e distribuição de bens, além da prestação de serviços, acabam por sofrer os efeitos econômico-financeiros.
REGIME RECUPERATÓRIO JUDICIAL
Muito se fala e se escreve sobre o regime recuperatório judicial, que exige gastos do devedor em crise (custo com administrador judicial, honorários advocatícios, elaboração de plano, despesas com convocação e realização de assembleia de credores). Tudo recai nos ombros da empresa que se vale da ação prevista na Lei 11.101/05).
Porém, há um instituto que, com o passar do tempo, vem ganhando espaço: a recuperação extrajudicial.
A lei, além de estabelecer regras sobre a reestruturação judicial, contempla capítulo próprio para tratar da recuperação extrajudicial, que é novidade advinda com a lei de 2005.
Não se descuide que, além destes regimes, outras possibilidades de acordo privado entre devedor e credores podem ser colocadas em prática, conforme regra do art. 167 da Lei 11.101/05. Este, aliás, é mais um tema pouco explorado pela doutrina.
A reestruturação judicial também se traduz em acordo [verdadeiro contrato, com cláusulas contidas em plano] firmado entre devedor e credores, mas no âmbito privado, para que se busque solução visando afastamento da crise e soerguimento da empresa. É medida mais célere para fins de composição e levada a efeito com menos custos ao devedor.
REQUISITOS LEGAIS DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Prosseguindo, aquele que preenche os requisitos legais [inclusive art. 48], e devidamente registrado há mais de 2 (dois) anos perante a Junta Comercial do local de sua sede, se pode valer do instituto da recuperação extrajudicial. Esta certamente tem menor custo ao devedor em crise, conforme exposto, até pela ausência de nomeação de administrador judicial.
A ela estão adstritos todos os credores verificados na data do pedido, com exceção dos credores tributários [princípio da legalidade e indisponibilidade do interesse público], os relacionados no art. 49, §3º, bem como os credores por valor entregue ao devedor em decorrência de adiantamento a contrato de cambio para fins de exportação (art. 86, inc. II). Ainda, a inclusão de créditos trabalhistas e por acidente de trabalho dependem de negociação coletiva com o sindicato respectivo.
De acordo com o art. 163, §8º, desde o pedido de homologação ficam suspensas as ações e execuções (art. 6º), exclusivamente quanto aos créditos adstritos ao regime e somente será ratificada judicialmente se comprovado o quórum inicial prevista no §7º do mesmo artigo.
Dito de outro modo, quando se trata de homologação judicial obrigatória (art. 163), deve o devedor comprovar a anuência de credores que correspondam a pelo menos 1/3 (um terço) de todos os crédito de cada classe por ele abrangidos e com o compromisso de, no prazo improrrogável de 90 (noventa) dias, contado da data do pedido, atingir o quórum previsto no caput deste artigo, por meio de adesão expressa, facultada a conversão do procedimento em recuperação judicial a pedido do devedor.

PLANO DE RECUPERAÇÃO
Em relação ao plano de reestruturação, não pode contemplar o pagamento antecipado de dívidas e nem mesmo tratamento desfavorável aos credores não sujeitos. Caso esteja pendente pedido de recuperação judicial ou, tendo obtido esta ou homologação de outro plano extrajudicial há menos de 2 (dois), anos, não se poderá valer de novo regime.
O pedido de homologação do plano não suspende direitos, ações ou execução, podendo ser ajuizada ação de falência pelos credores não sujeitos à recuperação extrajudicial. Por outro lado, o plano produz efeitos tão somente após a homologação judicial (regra geral).
Entrementes, as partes contratantes podem convencionar que os efeitos serão anteriores à homologação judicial, contanto que exclusivamente em relação à modificação do valor ou da forma de pagamento dos credores signatários[1].
[1] § 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, caso o plano seja posteriormente rejeitado pelo juiz, devolve-se aos credores signatários o direito de exigir seus créditos nas condições originais, deduzidos os valores efetivamente pagos.
Art. 166. Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei.

A HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL
A homologação judicial poderá ser facultativa, na hipótese de haver consentimento de todos os credores, conforme regra do art. 162 da lei. O texto é no sentido de que o devedor “pode” requerer a homologação judicial do plano.
Em havendo anuência de todos os credores, valerão todas as cláusulas estampadas no plano.
Por outro lado, a homologação judicial obrigatória está prevista no art. 163 da Lei 11.101/05. Ocorre quando inexiste a adesão de todos os credores sujeitos ao regime. Para tanto, mais da metade dos créditos de cada espécie deve anuir.
Recebido o pedido de homologação do plano, o magistrado determinará a publicação de edital eletrônico, visando a convocação dos credores do devedor a fim de que, querendo, apresentem impugnação aos termos do documento de acordo.
POSSIBILIDADE DE OPOSIÇÃO AO PLANO
É a possibilidade de oposição ao plano, que deve ser apresentada, de forma fundamentada, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do edital. A regra do art. 164, §3º contempla hipóteses que podem ser utilizadas pelo credor para fins de oposição.
Em havendo oposição, abre-se o contraditório, com vista ao devedor para que se pronuncie, querendo. Após, o magistrado decidirá em 5 (cinco) dias acerca do plano, homologando-o, se presente todos os pressupostos e requisitos legais e, principalmente, se inexiste ato que possa ser objeto de eventual ação revocatória em se de falência (art. 130).
Havendo prova a respeito de simulação de créditos ou mesmo vício de representação de credores que assinaram o plano, cabe a não homologação do plano, sem descuidar que outras medidas poderão ser tomadas pelo magistrado, como por exemplo a expedição de ofício ao Ministério Público, a fim de que tome das medidas adequadas, querendo (art. 187. §2º da Lei 11.101/05; art. 40 Código de Processo Penal).
Da sentença judicial, homologatória ou não do plano, cabe recurso de apelação sem efeito suspensivo, de modo que os credores poderão acionar o devedor pelos créditos em aberto.
[1] § 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, caso o plano seja posteriormente rejeitado pelo juiz, devolve-se aos credores signatários o direito de exigir seus créditos nas condições originais, deduzidos os valores efetivamente pagos.Art. 166. Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei.