RECUPERAÇÃO JUDICIAL: INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ART. 56, §9º, DA LEI 11.101/05
O artigo 56 da Lei 11.101/05 trata de aspectos relacionados à assembleia geral de credores em sede de recuperação judicial.
No §9º do referido texto de lei consta: Na hipótese de suspensão da assembleia-geral de credores convocada para fins de votação do plano de recuperação judicial, a assembleia deverá ser encerrada no prazo de até 90 (noventa) dias, contado da data de sua instalação [redação dada pela Lei 14.112/2020].
Observe-se que no enunciado há a conjunção “deverá” ´[tempo verbal: futuro do presente do indicativo]. A lei de regência, então, contém uma regra imperativa, a ser analisada conforme a Hermenêutica.
É justamente tal dispositivo legal o foco do presente escrito.
VISÃO GERAL DA ASSEMBLEIA DE CREDORES
A assembleia geral de credores[1] se não traduz em novidade trazida pela Lei 11.101/05. Surgiu na Lei 2.024/1908, sendo que no ab-rogado Decreto-Lei 7.661/45 estava prevista nos artigos 122 e 123.
Trata-se de importante órgão da falência e da recuperação judicial [art. 35 da Lei 11.101/05]. É um órgão máximo de deliberação dos credores. Também é órgão facultativo, porquanto não é em toda e qualquer recuperação judicial que existirá.
Apresentado o plano pelo devedor dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, os credores, intimados podem anuir de forma expressa ou tácita, restando sem necessidade a convocação de assembleia, porquanto inexistente objeção (art. 55 e art. 56).
Caso haja objeção, a convocação de assembleia é de rigor.
Não se descuide que em regime recuperacional os credores podem ter interesses convergentes e comuns [superação da crise do devedor], mas divergentes, mas díspares quanto aos créditos de cada um – considerando as classes em que dispostos -, bem como a forma de recebimento e assim por diante.
Em sede de recuperação judicial, as atribuições deliberativas da assembleia geral de credores estão previstas no art. 35 da lei de regência.
A assembleia geral exterioriza a vontade coletiva dos credores em sede de recuperação judicial.
O PRAZO PARA OCORRER A ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES
Estabelece a regra do art. 56, §1º, da Lei 11.101/05, que a data designada para a assembleia geral de credores não excederá 150 (cento e cinquenta) dias contados a partir da data da decisão que determina o processamento da recuperação judicial (art. 52).
A Lei 11.101/05 não prevê nenhuma sanção caso haja extrapolação do prazo. Portanto, em abertura judicial da falência não há falar caso o prazo nãó seja observado.
Considerando os interesses e direitos múltiplos na recuperação judicial, prevê a lei que a assembleia pode ser suspensa – nem sempre há instalação e deliberação sobre o plano de recuperação no mesmo ato – sendo que a assembleia deve ser encerada no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data da instalação.
A suspensão da assembleia pode ocorrer, até de forma sucessiva, contanto que dentro do prazo legal, o que sói ocorrer quando em curso tratativas de negociações com este ou aquele credor.
Destaque-se que a regra prevista no art. 56, §9º foi incorporada pela Lei 14.112/2020.
Em resumo, na hipótese de suspensão de assembleia que tem como objetivo deliberar sobre o plano, esta deve se encerrada no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data da instalação.
O “deverá” ser encerrada, qual consta da lei, é impositivo, a fim de que não se procrastine o andamento do processo; haja efetivo pagamento dos credores; não sejam os credores extraconcursais prejudicados e evita-se a prorrogação do stay period.
A superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, crise essa momentânea, deve ocorrer em curto espaço de tempo, de modo que a lei impõe prazos razoavelmente curtos para a prática de determinados atos.
O texto legal não tem como objetivo apenas e tão somente o soerguimento da “empresa” em crise, mas principalmente visa a tutelar o crédito. Há de se evitar o efeito multiplicador da crise empresarial; evitar crise sistêmica deste ou daquele setor da economia.
POSSIBILDADE DE PRORROGAÇÃO EXCEPCIONAL DO PRAZO PREVISTO NO ART. 56, §9º, DA LEI 11.101/05
A rigidez do art. 56, §9º, da Lei 11.101/05, quanto ao prazo para encerramento da assembleia (90 dias) pode ser afastada de forma excepcional no caso concreto, à vista da de justificação e efetiva necessidade.
Por outro lado, para que possa ocorrer a prorrogação do prazo, o devedor recuperando não pode dar causa, não pode contribuir para que sejam extrapolados os 90 (noventa) dias.
Destaque-se que a lei estabelece situações onde pode haver a superação do prazo temporal, contanto que o devedor não tenha contribuído. Assim o diz a regra do art. 6º, §4º.
Da mesma forma, a prorrogação excepcional, quanto a assembleia, pode ocorrer, desde que a causa não tenha sido dada pelo devedor.
Em determinadas situações concretas, pode ocorrer que as negociações com determinados credores sejam mais complexas (quanto a prazos etc.) e que demandam mais tratativas.
Nem sempre a negociação é convergente entre devedor e credores, em primeira reunião. Não se olvide que a negociação há de ser sempre integrativa, afastando-se a distributiva.
O magistrado, ao analisar pedido de “flexibilização” da regra legal há de considerar os efeitos práticos de sua decisão, as consequências práticas e jurídicas da deliberação (Decreto-Lei 4.657/1942, art. 20).
Não se olvide da regra contida no art. 5º, da mesma lei.
É possível a prorrogação do prazo legal de 90 (noventa) dias, contanto que determinadas circunstâncias concretas estejam materializadas no processo de reestruturação.
Por outro lado, o devedor não pode contribuir para a prorrogação.
Há precedentes dos Tribunais sobre a matéria. A propósito:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRORROGAÇÃO DO ENCERRAMENTO DA ASSEMBLEIA-GERAL DE CREDORES PARA ALÉM DO PRAZO PREVISTO NO § 9º, DO ART. 56, DA LEI Nº 11.101/2005. POSSIBILIDADE DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. SUSPENSÃO DELIBERADA PELA ASSEMBLEIA-GERAL EM DOIS QUÓRUNS DE VOTAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SUSPENSÃO QUE ATENDE À FINALIDADE PRIMORDIAL DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, QUE É PROPORCIONAR O SOERGUIMENTO DA EMPRESA, E GARANTIR A CONTINUIDADE DE SUAS ATIVIDADES, INCLUSIVE NO INTUITO DE MANTER OS POSTOS DE TRABALHO. CONVOLAÇÃO EM FALÊNCIA. MEDIDA DRÁSTICA QUE, CERTAMENTE, NÃO SE JUSTIFICA NESSE MOMENTO EM QUE DECISÕES ESTÃO SENDO TOMADAS NO CONCLAVE, EM PROL DA MANUTENÇÃO EMPRESA E DO INTERESSE DOS CREDORES, E QUE SÃO CRUCIAIS PARA O BOM ÊXITO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PREVALÊNCIA, ADEMAIS, DA NATUREZA CONTRATUAL DAS DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO[2]
[1] O vocábulo “assembleia”, conforme Dicionário Houaiss, significa reunião de pessoas que têm algum interesse em comum, ger. em grande número, com a finalidade de discutir e deliberar conjuntamente sobre temas determinados [Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 329, 3ª coluna].
[2] TJPR, 18ª Câmara Cível, relator Des. Vitor Roberto Silva, Agravo de Instrumento n. 0049981-11.2022.8.16.0000, julg. 31.05.2023.