Falência E Extinção Do Agente Econômico
O texto apresentará algumas questões relativas à abertura judicial da falência e a questão da personalidade jurídica do agente econômico retirado, por sentença, do mercado competitivo.
Desde logo cabe salientar que a decretação a falência não faz com que ocorra a imediata perda da personalidade jurídica.
A SUSPENSÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Estabelece o art. 1044 do Código Civil que a sociedade empresária se dissolve pela declaração da falência[1].
Crê-se que o dispositivo há de ser interpretado com redobradas cautelas, e explica-se uma vez mais o porquê de tal pensamento, apresentando-se alguns apontamentos bem objetivos.
O agente econômico, cuja falência é decretada judicialmente, não perde de imediato a personalidade jurídica e, de igual forma, não se dissolve neste momento processual, ou seja, quando da sentença que o retira do mercado.
É de se esclarecer que o presente texto trata do caso em que não haja a desconstituição[2] da sentença que decretou a abertura da falência tem como base justamente a sentença que irradia todos seus efeitos legais.
A sentença faz surgir no mundo jurídico a figura da massa falida; cria efeitos em relação ao devedor, aos credores, ao terceiros e assim por diante.
Diante da crise empresarial, são muitos os textos acadêmicos que tratam dos regimes recuperatórios previstos na Lei 11.101/05, e raros os que apresentam reflexões sobre a falência.
Assim, uma vez mais se toma a liberdade de alinhar alguns pensamentos, expondo as razões para demonstrar a incorreção, por assim dizer, do enunciado legal.
O senso comum teórico é no sentido de que a abertura judicial da falência se traduz em causa para encerramento da pessoa jurídica falida.
Deveras, o art. 1044 do Código Civil há de ser interpretado pelo exegeta sob os métodos teleológico e sistemático[3], a fim de se buscar o real sentido e alcance do dispositivo legal, observando o ordenamento jurídico como um todo[4].
A dissolução da sociedade empresária, agora em estado falimentar, não significa necessariamente a extinção da pessoa jurídica. Apenas e tão somente inicia o procedimento liquidatório societário para somente depois, se for o caso, extingui-la.
A extinção, enfatize-se, ocorre após encerrada a fase de liquidação.
O art. 51 do Código Civil – reitere-se – estabelece que a pessoa jurídica subsiste para fins de liquidação (apenas) até a conclusão desta.
Encerrada esta, aí sim, cancela-se a inscrição da pessoa jurídica no lugar próprio[5].
No caso da abertura judicial da falência de pessoa jurídica, a regra é exatamente a mesma, ou seja, a sentença faz com que haja liquidação de ativos arrecadados.
Superada esta fase – venda de ativos -, encerra-se o processo falimentar, por sentença, e, concomitantemente extinta estará a entidade jurídica.
Nessa linha, a dissolução societária não ocorre de forma concomitante à sentença proferida na falência.
É suspensa a personalidade jurídica da entidade até que ocorra a completa liquidação (venda judicial, sempre) dos ativos arrecadados (realização do ativo[6]) e encerrado, por sentença, o processo falimentar (art. 156, Lei 11.101/05).
A extinção da sociedade empresária, por consequência, ocorrerá quando do encerramento do feito falimentar.
Quer-se crer que, ingressando a falência na fase liquidatória (alienação judicial dos ativos arrecadados) já haverá sérios indícios, por assim dizer, de que a pessoa jurídica, efetivamente, será encerrada.
De fato, a abertura judicial da falência é motivo ensejador à dissolução societária, mas esta poderá ser interrompida com o que se denomina comumente de levantamento da falência.
A fase liquidatória, por exemplo, pode não ser instaurada (não liquidação de ativos arrecadados), considerando o pagamento integral do passivo do agente econômico e da massa falida, por exemplo.
É pertinente transcrever o pensamento de Rubens Requião:
A sociedade comercial nem sempre se dissolve com a declaração de sua falência. A falência, como de resto a dissolução social, não extingue a personalidade jurídica da sociedade; mas enquanto a liquidação, que sobrevém à dissolução, mantém a sociedade em posição estática, vivendo apenas para a liquidação do ativo e pagamento do passivo, não se envolvendo em operações novas, durante o processo de falência, a sociedade continua viva, pois pode inclusive prosseguir no comércio se assim requerer e o juiz consentir. Aqui perde ela, como todos sabem, apenas a administração de seu patrimônio; mas poderá retomar à plena capacidade de disposição de seus bens, se obtiver a concordata suspensiva da falência, que lhe restituirá toda a plenitude de seus direitos e obrigações. Se não ocorrer tal hipótese, só então a falência resulta na completa extinção da sociedade[7]
Faz-se questão de apresentar o formidável pensamento de Jair Gevaerd:
Não se pode mais permitir que o ensino de gradação ou pós-graduação simplesmente despreze o DNA, a origem e a função dos institutos e categorias ensinados (para o que é fundamental o recurso a saberes afins ao Direito, como a história, economia, antropologia, sociologia etc.), e se faça pela comodíssima recitação de textos de lei e de doutrina apartados de seu real contexto, os quais, como cadáveres repetidamente dissecados, acabam po reencarnar ‘ad seculum seculorium’ em petições, decisões er livros que resistem, empedernidos, às ainda escassas sessões de descarrego e exorcismo promovidas pelos poucos que ousam destoar da catequese autoproclamada clássica (que de clássica, na acepção nobre do termo, nada tem)[8]
Portanto, a abertura judicial da falência da empresa (i) determinada a imediata suspensão da personalidade jurídica; (ii) com a sentença de falência não há concomitante dissolução societária; (iii) a sentença de encerramento do processo de falência acarreta a extinção da pessoa jurídica.
AUSÊNCIA DE ATIVOS
Pode ocorrer que a pessoa jurídica que teve sua falência decretada não tenha ativos arrecadáveis.
O encerramento da pessoa jurídica pode ocorrer muito antes que o processo ingresse na fase liquidatária.
A inexistência de ativos arrecadáveis (fase do art. 108) acarretará, necessariamente, a apresentação de relatório por parte do administrador judicial e extinção do processo falimentar, por sentença judicial.
Destaque-se que atual lei que rege a matéria (Lei 11.101/05) silenciou acerca do procedimento peculiar (inventário negativo, nas palavras de Pontes de Miranda [op. cit., p. 67]), que antes era previsto no art. 75 do ab-rogado Dec.-Lei 7.661/45.
[1] O art. 206, inc. II, letra “c”, da Lei 6.404/76 segue na mesma linha.
[2] Termo utilizado por Pontes de Miranda. Cf. Tomo XXVIII de seu Tratado de direito privado, a seguir mencionado.
[3] Explica Luís R. Barroso que a visão estrutural, a perspectiva de todo o sistema, é vital. Interpretação e aplicação da Constituição. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 134. E prossegue: as normas devem ser aplicadas atendendo, fundamentalmente, ao seu espírito e à sua finalidade. Op. cit., p. 137. Vem a calhar o pensamento de Celso Ribeiro Bastos: fica difícil interpretar sem se levar em conta as realidades políticas pelas quais passa o País. As discussões mobilizam o espírito de todos os setores da sociedade, que são altamente ideológicos, e fazem-se sentir na interpretação do Direito, em função do que se fala, então, de uma atualização das regras jurídicas por meio do processo interpretativo. Hermenêutica e interpretação Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, pp. 164-165. Por fim, ensina Pontes de Miranda que uma das mais altas e prestantes funções dos juristas é a de definir o conteúdo dos termos empregados pela lei, para que flua, sem contradições, o sistema jurídico, que é sistema lógico. Tratado de direito privado. Parte Especial. Tomo XXVIII. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 157.
[5] Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua. O presente escrito não tratará da dissolução de fato, mas é de se notar que os credores podem requerer a abertura judicial da entidade jurídica em tal circunstância.
[6][6] Pontes de Miranda se refere à extração do valor dos bens. Tratado de direito privado. Parte Especial. Tomo XXIX. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 290.
[7] Curso de direito comercial. 2º volume. São Paulo: Saraiva, 1985, pp. 274-275. O texto legal de 2005 não mais prevê o instituto da concordata preventiva (Dec.-Lei 7.661/45, art. 177).
[8] Arte Jurídica – Vol. I. CANEZIN, Claudete C. (coord.). Curitiba: Juruá Editora, 2004, p. 192. Grifos no original.