Globalização Econômica E O Direito
O pequeno texto apresentará algumas breves reflexões a respeito do Direito na globalização econômica, especialmente a partir do Século XXI, cabendo considerar o papel da hermenêutica – e do intérprete do Direito – no atual contexto histórico.
É facilmente perceptível que a globalização econômica – que se traduz em processo de profunda integração mundial no âmbito econômico, social e cultural – entre países, vem ocorrendo de forma muito acentuada nas últimas décadas.
Também desnecessário esclarecer que o Direito não fica imune a esse complexo fenômeno. Nem poderia, porquanto acompanha os passos da sociedade organizada[1].
A GLOBALIZAÇÃO
Escreve Niklas Luhmann que a globalização econômica fez com que surgisse uma sociedade mundial e que existe desenvolvimento global desequilibrado[2].
Ainda, há acirrada e inexorável competitividade entre os agentes econômicos transnacionais e multinacionais que atuam no mercado, importando a efetiva e célere produtividade (prestação de serviços etc.) e a busca pelo lucro nos negócios.
Especialmente no período da pandemia sanitária, bem como em tempo posterior, muitas pequenas e médias pessoas jurídicas foram retiradas do mercado.
Houve cessação de atividade econômica – de foram de forma voluntária ou compulsória (autofalência ou falência) -, se não descuidando do grande número de entidades que se valeram da Lei 11.101/05, visando a reestruturação e mantença no mercado (recuperação judicial, extrajudicial e outras formas de composição).
Aqui não há espaço para discorrer da crise da pessoa física, endividada e que nem sempre conseguem diagnóstico preciso a respeito do real montante devido.
A globalização ocorreu de forma mais profunda no final do Século XX (especialmente a partir da década de 1980), com grande revolução tecnológica, notadamente nas áreas das comunicações e eletrônica.
Não se pode olvidar que tal processo teve início quando das primeiras navegações, desde os primeiros descobrimentos dos povos.
Escreve François Cheasnais que o adjetivo global surgiu no começo dos anos 80, nas grandes escolas americanas de administração de empresas, as célebres ‘business management scholls’ de Havard, Columbia, Stanford etc. Foi popularizado nas obras e artigos dos mais hábeis consultores de estratégia e marketing[3].
A assim denominada cultura de massa faz parte do fenômeno capitalista, resultado direto do pós-guerra [2ª guerra mundial] – em caráter acentuado neste século -, ou mesmo resulta da revolução no campo tecnológico.
A GLOBALIZAÇÃO E O DIREITO
O pensamento jurídico e a forma de encarar o Direito posto pelo Estado têm [ou deveriam ter] nova apresentação hodiernamente. Cabe afastar o olhar hermenêutico fulcrado no positivismo jurídico do século XVIII, sendo que em tal época o subsistema [do direito] era fechado[4].
Ora, se na Idade Média o Direito brotava do seio da sociedade, hoje, na chamada modernidade [ou pós-modernidade], é ele – o Direito – posto pelo Estado, sendo que aqui não há lugar para discutir acerca de palpitante tema.
Mas não menos certo desde logo afirmar que esse Direito posto pelo Estado nem sempre está em harmonia com os anseios da sociedade moderna [ou pós-moderna][5]; nem sempre as leis conferem a não menos almejada segurança jurídica e estabilidade das relações.
Em notável conferência, o saudoso jurista italiano Paolo Grossi assim fez constar:
a paisagem jurídica da modernidade é simples, alias simplicíssima. Com o imediato esclarecimento de que a simplicidade é fruto de uma drástica redução, que a complexidade própria a toda ordem jurídica foi obrigada a contrair-se em um cenário onde atores são unicamente os sujeitos individuais de um lado, o macro-sujeito político, de outro, o micro-sujeito privado. A sociedade, na globalidade e complexidade, está ali e não poderia deixar de estar, mas resta como um pano de fundo inerte do qual se tirou toda possibilidade de manifestar-se e de exprimir-se juridicamente; à sociedade resta uma emaranhado de fatos brutos que não têm, sozinhos, a força para se tornar direito sem o auxílio do micro-sujeito privado no seu âmbito negocial ou do macro-sujeito público no seu âmbito normativo geral[6].
Sem qualquer sombra de dúvida, as palavras do insigne pensador italiano marcaram com tinta indelével todos aqueles que tiveram a oportunidade de ouvir sua conferência.
Enquanto não se avistar a clareira referida por Lênio Streck; enquanto se estiver adstrito à Síndrome de Abdula referenciada pelo mesmo pensador[7], certamente não haverá nova fase o Direito. Destaque-se que aqui não se tratou, por exemplo, da inteligência artificial no Direito.
Para rematar, caberá ao construtor (e não “operador do Direito”), estar devidamente preparado para lidar com conflitos não mais individuais, mas sim transindividuais, preparação essa de extrema importância e indispensável.
Tal como o pensador Michel de Montaigne, o hermeneuta pós-moderno, por assim dizer, não conta seus empréstimos, pesa-os[8], sendo essa a real exigência a fim de que se possa repensar o direito como verdadeira linguagem.
[1] A respeito: FARIA, José E. O Direito na Economia Globalizada. 1ª edição, 4ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
[2] Sociologia do Direito II. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1985, p. 157.
[3] A mundialização do capital. São Paulo: Xamã VM Editora, 1996, p. 23.
[4] A respeito: Bobbio, Norberto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. Abelardo utilizou a expressão “positivismo jurídico” no Século XI.
[5] A propósito: GRAU, Eros R. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
[6] Sede da Ordem dos Advogados do Brasil – Curitiba, no dia 12/09/2007. Conferência de abertura do III Congresso brasileiro de história do direito, evento promovido pelo Instituto Brasileiro de História do Direito.
[7] Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 3ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001, p. 228.
[8] Os Ensaios. Livro II. 2ª edição. São Paulo:Martins Fontes, 2006, p. 115. Tradução: Rosemary Costhek Abílio. Ver também o texto original: Les Essais. Paris: Quadriage, 2004, p. 408 [edição conforme texto do exemplar de Bordeaux, por Pierre Villey, sob direção e prefácio de V.-L. Saulnier].