20 Anos da Lei 11.101/05
A Lei 11.101/05 entrou em vigor no dia 09 de junho de 2005 e em breve completará 20 (vinte) anos no sistema jurídico brasileiro. Referido texto legal trata da reestruturação (judicial ou extrajudicial) e da falência de agentes econômicos mergulhados em crise (financeira, econômica ou patrimonial).
O presente texto tem como propósito apresentar algumas considerações a respeito dos efeitos da referida lei, no tocante ao soerguimento da empresa em crise.
Não obstante a alteração ocorrida em dezembro/2020, via Lei 14.112/2020, o fato é que o texto legal de 2005 ainda carece de algumas reformas pontuais.
Aliás, assentou Frederico A. Monte Simionato que a lei é medíocre, tem uma péssima redação e o legislador pátrio abandonou por completo a temática da recuperação judicial na perspectiva institucional[1].
O Decreto-Lei 7.661/45, que tratava da concordata e da falência do comerciante, perdurando no sistema jurídico por quase 60 (sessenta) anos, sofreu alterações pontuais.
Diante da crise empresarial, é possível afirmar que logo surgirão (mais) trincas na estrutura do texto normativo de 2005, impondo ao legislador, uma vez mais, que repense a respeito de mudanças estruturais, sob pena de florescer, novamente, verdadeira pletora de falências e a indústria da recuperação judicial.
AS OPERAÇÕES SOCIETÁRIAS
Alguns célebres processos de reorganização judicial[2] que tramitam [ou tramitaram] passaram pelas assim denominadas chamadas operações societárias [transformação, cisão, incorporação e fusão]. Link: texto “reflexões sobre a transformação societária
Tais operações nada mais são do que, nas precisas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, mutações no tipo ou na estrutura da sociedade empresária[3].
Notadamente, o que se constatou foi justamente [i] a prática de cisão, ou seja, a transferência [total ou parcial] de patrimônio para uma outra sociedade constituída para fins específicos, ou para uma entidade já existente; [ii] há casos de fusão, que nada mais é do que a união de duas ou mais sociedades empresárias [com a junção de ativos e passivos] visando a formação de uma outra, para que esta nova entidade tenha fortalecimento e participação decisiva no mercado capitalista concorrencial[4].
De fato, o diploma legal prevê a operação societária [art. 50, inc. II], para fins de tentativa de superação da crise em que se encontra a empresa; a lei, apenas exemplificativamente [art. 50], prevê medidas jurídico-econômicas que o próprio mercado há muito colocou ao alcance da mão da empresa mergulhada em crise, que são justamente os meios para a tentativa de soerguimento e mantença no mercado[5].
OUTRAS HIPÓTESES PARA REESTRUTURAÇÃO
Não está descartada, por assim dizer, [iii] a entrega da empresa para os credores, a fim de que sejam liquidadas as dívidas[6], e, [iv], há a possibilidade de conversão dos créditos em ações da companhia em crise, com a alteração do controle societário [ou seja, os credores assumem o comando do agente econômico em crise, afastando os incorporadores], sendo não menos certos que há várias outras formas [ou meios] para que se busque a superação da crise, dita momentânea, formas essas nem sempre contidas em lei.
O art. 50 da Lei 11.101/05 estabelece, conforme dito, apenas algumas possiblidades de reorganização da empresa em crise.
De fato, o diploma legal prevê a operação societária [art. 50, inc. II], para fins de tentativa de superação da crise em que se encontra a empresa; a lei, apenas exemplificativamente [art. 50], prevê medidas jurídico-econômicas que o próprio mercado há muito colocou ao alcance da mão da empresa mergulhada em crise, que são justamente os meios para a tentativa de soerguimento[7].
A Lei 11.101/05, tal como apresentada, se traduz em evidente equívoco, pois em total dissonância com a realidade. Com propriedade, afirma Fabio Konder Comparato que o legislador parece ter desconhecido totalmente a realidade da empresa, como centro de múltiplos interesses – do empresário, dos empregados, dos sócios capitalistas, dos credores, da região, do fisco, do mercado em geral – desvinculando-se da pessoa do empresário[8].
O PROPÓSITO DA LEI 11.101/05
O texto de lei de 2005 [art. 47] apresenta o fundamento, o norte da recuperação empresarial, que é justamente afastar a crise econômico-financeira e manter a empresa no mercado [ou, como diz a letra da lei, permitir a manutenção da fonte produtora].
Coloca-se ao alcance do empresário ou da empresa em crise, e de forma meramente exemplificativa, alguns meios para a tentativa de soerguimento, tal como visto.
A ideia fundamental é que se mantenha a [plena] atividade empresarial, com a produção e circulação de riquezas. O escopo é a tentativa de reorganização e, não sendo possível, a abertura judicial da falência, para preservação do crédito público e do próprio mercado, em última análise.
Fluindo regularmente a atividade econômica, haverá possibilidade [em tese] da manutenção de empregos; cumprimento de contratos; recolhimento de tributos, e assim por diante.
Entrementes, o que se vem verificando é que a solução de mercado [um dos grandes pilares da economia capitalista].
A globalização econômica vem apontando para um caminho bem diverso: a cisão, a função, a alienação de ativos, e outras medidas utilizadas na prática empresarial [ou em processos de tentativa de soerguimento] nada mais traduzem do que o verdadeiro desaparecimento da recuperanda, não se podendo falar que a empresa em crise deve ser examinada quanto a sua potencialidade futura, aqui adotando a nomenclatura de Vigil Neto[9].
Esta empresa mergulhada em dificuldades financeiras, ao requer os benefícios do regime da recuperação judicial, tem inequívoca ciência de que está entrando em uma verdadeira arena, tal como denominam os estudiosos estadunidenses.
Procura a pessoa jurídica em crise se utilizar de seu poder de barganha para obter alguns benefícios [redução de dívidas, carência para o início do pagamento, parcelamento mais confortável, e assim por diante] perante credores, colocando suas cartas na mesa, amparada inexoravelmente na bandeira da crise dita momentânea.
Tais credores, por sua vez, buscam receber a integralidade de seus haveres, e aí, exatamente neste ponto, reside o âmago da questão[10].
Nem sempre há cedência recíproca, nem sempre há razoabilidade nas pretensões. As negociações, que invariavelmente são distributivas, e não integrativas, às vezes podem perdurar por dias, meses, e nem sempre se chega a um bom termo.
O que se verifica, então, é um antagonismo entre o vocábulo recuperação e as práticas que vêm ocorrendo, ou seja, as práticas que dizem com operações societárias para salvamento não da empresa como um agente econômico importante para a sociedade, mas sim para a solução do crédito.
Noutros termos, mas com igual alcance, não se vem recuperando [em sentido estrito] a empresa que atravessa dificuldade, pois há entrega de bens a credores, venda de ativos e cisão.
Em determinados casos, se não apresenta plano tendente à liquidação de débitos, com a conseqüente permanência da empresa no mercado competitivo, mas sim há entrega desta mesma empresa a credores ou terceiros interessados.
Raros são os processos de recuperação judicial que lograram êxito em colaborar para plena salvação da empresa, com perfeita reabilitação e retorno efetivo ao mercado competitivo.
O que se viu, como se vem assentando, é a diminuição de patrimônio a fim de honrar as obrigações livremente assumidas, quando não a transferência de titularidade empresarial.
Há outros aspectos que devem ser analisados, e que no futuro próximo farão parte de outros escritos.
[1] Tratado de Direito Falimentar. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp. 3-4.
[2] Podendo-se utilizar a nomenclatura “plenamente judicial”, tal como ensina Luiz Inácio Vigil Neto, em sua obra Teoria Falimentar e Regimes Recuperatórios. Estudos sobre a Lei n. 11.101/05. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 79.
[3] Curso de Direito Comercial. Volume 2. São Paulo:Saraiva, 8a edição, 2005, p. 479.
[4] A propósito, interessantes matérias publicadas no matutino O Estado de São Paulo, de 07/05/2009, B19, e de 12/05/2009, B14.
[5] Interessante notar que em tempos de acentuada crise financeira – também enfrentada pelo Brasil – as empresas estão encontrando sérias dificuldades para a formalização de empréstimos junto a instituições financeiras, sendo que estas pretendem garantias substanciais e, por outro lado, impõem várias restrições ao crédito, diante do risco da inadimplência. Não se descuide que as operações têm alto custo financeiro [O Estado de São Paulo, de 17/05/2009, B3]. Com a restrição de crédito, as empresas [especialmente as pequenas e médias] não têm capital de giro, cortam investimentos, buscam a redução do custo operacional e dispensam funcionários. É essa a realidade empresarial.
[6] A respeito, O Estado de São Paulo, de 30/04/2009, B15.
[7] Interessante notar que em tempos de acentuada crise financeira – também enfrentada pelo Brasil – as empresas estão encontrando sérias dificuldades para a formalização de empréstimos junto a instituições financeiras, sendo que estas pretendem garantias substanciais e, por outro lado, impõem várias restrições ao crédito, diante do risco da inadimplência. Não se descuide que as operações têm alto custo financeiro [O Estado de São Paulo, de 17/05/2009, B3]. Com a restrição de crédito, as empresas [especialmente as pequenas e médias] não têm capital de giro, cortam investimentos, buscam a redução do custo operacional e dispensam funcionários. É essa a realidade empresarial.
[8] Apud – PACHECO, José da S. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. Rio de Janeiro:Forense, 2006, p. 110.
[9] Op. cit., p. 71.
[10] A propósito: DELANEY, Kevin J. Strategic Bankruptcy: How Corporations and Creditors use Chapter 11 to their Advantage. California: University of California Press, 1998; LOPUCK, L. M.; WHITHFORD, W. C. Bargaining Over Equity’s Share in the Bakruptcy Reorganization of Large Publicly Held Companies. In: WARREN, W. D.; BUSSEL, D. J. Bankrupcty. 7ª edição. New York: Foundation Press, 2006; VIAL, Juan E. P. Derecho Concursal: El Convenio de Acreedores. 2ª ed., atualizada. Santiago: Editorial Juridica de Chile, 2004; WARREN, W. D.; BUSSEL, D. J. Bankrupcty. 7ª edição. New York: Foundation Press, 2006.