O Produtor Rural E Os Regimes Recuperatórios
Este texto apresentará algumas considerações sobre o produtor rural e as possibilidades previstas em lei, visando a reestruturação do agente econômico.
O Código Civil, de 2002, dedicou o Livro II para organizar e sistematizar o Direito de Empresa, substituindo, nessa parte, o antigo Código Comercial de 1850.
Logo no primeiro artigo sobre o tema, art. 966, já adota a definição de empresa, (vinda do direito italiano) como atividade exercida, a partir do conceito de empresário. Ou seja, adota como critério de identificação do empresário a atividade econômica e seus fatores de produção organizados destinados à produção e circulação de bens ou serviços. (veja também o artigo crise e recuperação da empresa)
EMPRESÁRIO RURAL
Consoante Alfredo de Assis Gonçalves Neto, o empresário rural está excluído do conceito técnico de empresário[1].
O mesmo jurista define o que exprime a expressão “empresário rural”:
Empresário rural é a pessoa natural (a sociedade dedicada à atividade rural é tratada no art. 984) que age de forma organizada e profissionalmente na exploração das riquezas da terra. Quem exerce atividade rural sem organização, para sua subsistência ou em caráter eventual ou não profissional, não se enquadra no enunciado do art. 966 e, por isso, não se insere no conceito de empresário rural. Também não se insere no conceito de empresário rural quem exerce essa atividade como complemento de outra profissão, visto que o dispositivo sob análise ainda exige, para fins de sua aplicação, que tal pessoa tenha nela sua única ou principal profissão[2]
(linkar artigo bens essenciais à atividade econômica na recuperação judicial)
PRODUTOR RURAL E REGISTRO
A lei deve assegurar tratamento favorecido, simplificado e diferenciado ao empresário rural e ao pequeno empresário, no que se refere à inscrição no lugar próprio [Registro Público de Empresas Mercantis – Junta Comercial] e aos vários efeitos jurídicos decorrentes do ato de inscrição.
Fica a critério exclusivo do empresário que tenha por escopo o exercício a atividade econômica rural optar por se inscrever ou não perante a Junta Comercial de sua sede [Código Civil, art. 971].
O principal dispositivo do Código Civil acerca da temática é o art. 971, que determina que o empresário rural pode, a qualquer tempo, obedecidas as formalidades do art. 968 e seguintes do diploma legal, inscrever-se perante o Registro Público de Empresas Mercantis ficando, depois de inscrito, devidamente equiparado ao empresário sujeito a registro. Registrado, se pode valer dos termos da Lei 11.101/05.
Assim procedendo [Código Civil, art. 984[3]], tornar-se-á empresário para todos os fins legais, bem como correrá todos os riscos de atuar no mercado, inclusive podendo dele ser retirado, em caso de crise patrimonial inafastável. (veja também artigo Mercado, agente econômico e risco)
A sistemática do Código Civil é no sentido de que a inscrição do empresário rural no Registro Público de Empresas Mercantis não é requisito para sua caracterização, sendo que pode se constatar o exercício da empresa rural, enquanto atividade, sem tal providência. É cediço que tal ato, para aqueles que já exercem atividade de empresa rural, tem natureza facultativa e declaratória[4].
Escolhido o tipo societário, o contrato social será levado a registro perante a Junta Comercial da localidade onde funciona sua sede.
Portanto, o registro do empresário rural junto ao Registro Público de Empresas Mercantis não tem o condão de promover a constituição do empresário rural e sim o de declarar a sua qualidade jurídica, sendo considerado apenas uma formalidade e com a produção de efeitos retroativos (ex tunc[5]) ao comprovado início da atividade de empresário rural.
Depois de inscrito[6] ficará equiparado ao empresário que está sujeito a registro. É este empresário, devidamente registrado, que se poderá valer dos termos da Lei 11.101/05, para fins recuperatórios ou mesmo de falência.
A LEI 11.101/05
O produtor rural em crise, contanto que registrado perante a Junta Comercial, se pode submeter aos termos da Lei 11.101/05 e não a outro regime de insolvência. Pode, destarte, buscar a abertura judicial da falência ou tentar o soerguimento, via recuperação judicial ou extrajudicial. Ainda, permito se valer de outros meios, visando a composição direta com os credores.
Depois de inscrito[7] ficará equiparado ao empresário que está sujeito a registro. É este empresário, devidamente registrado, que se poderá valer dos termos da Lei 11.101/05, para fins recuperatórios ou mesmo de falência.
As alterações advindas com a lei 14.112/2020 permitem a comprovação do prazo legal de atividade mediante a apresentação de documentos outros.
O produtor rural empresário que exerça a atividade econômica empresarial há mais de 2 (dois anos) poderá requerer a reestruturação judicial (ou se valer de outros regimes), conquanto faça a inscrição perante a Junta Comercial quando do ingresso da ação em juízo. De fato, consoante posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, a inscrição perante a Junta Comercial se traduz em ato declaratório, sendo que:
ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro[8]
(veja também o artigo: 3 situações que podem gerar crise do agente econômico)
[1] Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 83.
[2] Op. cit., p. 84.
[3] A sociedade, cujo objeto social é a atividade rural, nada mais é do que sociedade simples (art. 997 do Código Civil), e não sociedade empresária. As primeiras palavras escritas no art. 984 do CC já o dizem: ‘a sociedade…’significando que são simples, e não empresárias. Hão de ser registradas não na Junta Comercial, e sim no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local onde se encontra sua sede (Código Civil, art. 998). Pela Lei 11.101/05 esse tipo societário não se enquadra na categoria empresária, de modo que não pode falir e muito menos pedir recuperação judicial ou propor recuperação extrajudicial aos seus credores.
[4] Trata-se, portanto, de conferir tratamento favorecido ao empresário rural, não sujeito a registro, em relação ao empresário comum, que a lei denomina de “empresário sujeito a registro”. Por esse motivo é que o art. 971 dispensa o empresário rural daquela inscrição que é obrigatória para o empresário comum, estabelecendo que aquele (o rural) “pode requerer inscrição” nos termos do art. 968. Ora, se pode ele requerer inscrição, significa que o empreendedor rural, diferentemente do empreendedor econômico comum, não está obrigado a requerer inscrição antes de empreender. Desse modo, o empreendedor rural, inscrito ou não, está sempre em situação regular; não existe situação irregular para este, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta facultativa.” (STJ – Resp. 1800032/MT, Rel. Min. MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Min. RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julg. 05/11/2019, DJe 10/02/2020.)
[5] Pode-se afirmar, assim – ainda segundo a Teoria da Empresa –, que a constituição do empresário rural dá-se a partir do exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços, sendo irrelevante, para à sua caracterização, a efetivação de sua inscrição na Junta Comercial. Todavia, sua submissão ao regime empresarial apresenta-se como faculdade, que será exercida, caso assim repute conveniente, por meio da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Tal como se dá com o empresário comum, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial não o transforma em empresário. Perfilho o entendimento de que, também no caso do empresário rural, a inscrição assume natureza meramente declaratória, a autorizar, tecnicamente, a produção de efeitos retroativos (ex tunc).” (STJ – REsp 1811953/MT, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELIZZE, TERCEIRA TURMA, julg. 06/10/2020, DJe 15/10/2020).
[6] Para Alfredo de A. Gonçalves Neto, a inscrição do empresário rural na Junta Comercial tem natureza constitutiva, e não declaratória, que é o que ocorre normalmente com a inscrição de qualquer outro empresário. O empresário em geral é empresário porque exerce atividade econômica organizada, e não porque está inscrito na Junta Comercial. Trata-se de uma situação de fato. Se alguém exerce atividade econômica com os requisitos do art. 966 e não incide nas ressalvas legais, é empresário e se obriga a fazer sua inscrição no referido órgão registrador. Op. cit., p. 85.
[7] Para Alfredo de A. Gonçalves Neto, a inscrição do empresário rural na Junta Comercial tem natureza constitutiva, e não declaratória, que é o que ocorre normalmente com a inscrição de qualquer outro empresário. O empresário em geral é empresário porque exerce atividade econômica organizada, e não porque está inscrito na Junta Comercial. Trata-se de uma situação de fato. Se alguém exerce atividade econômica com os requisitos do art. 966 e não incide nas ressalvas legais, é empresário e se obriga a fazer sua inscrição no referido órgão registrador. Op. cit., p. 85.
[8] STJ, 2ª Seção, REsp. n. 1.947.011-Pr, rel. Min. Luis Felpe Salomão.