Efeitos da Decretação da Falência do Agente Econômico
A decretação da falência do agente econômico, ou seja, sua retirada do mercado, gera inúmeros efeitos em relação à pessoa jurídica devedora, aos seus funcionários, aos sócios (ou acionistas), aos credores, aos fornecedores, aos terceiros e assim por diante.
Tais efeitos também são imediatos, retroativos e futuros, conforme será a seguir exposto.
Destaque-se que a abertura judicial da falência ocorre quando determinados requisitos legais se fazem presentes no caso concreto, sendo imperiosa a retirada do devedor do mercado, visando a preservação do crédito público e evitar que o efeito multiplicador da crise patrimonial.
Para que ocorra a decretação da falência, a lei não determina que haja vários credores. Basta o efetivo cumprimento de todos os requisitos elencados no art. 105 da Lei 11.101/05, bem como outros previstos no Código de Processo Civil.
Destaca Pontes de Miranda:
O pressuposto da pluralidade de credores verificada no momento da decretação de abertura da falência não existe, como pressuposto necessário, no sistema do direito concursal. E é bem que assim seja. Há interesse do credor único do insolvente em que se tragam á estrada executiva os ‘outros’ credores; e é de interesse do Estado que não se atenda, exclusivamente, ao credor que primeiro pede a execução forçada. A pluralidade pode vir a existir, tanto mais quanto se permite a habilitação de credores retardatários. A pluralidade pode desaparecer, se todos menos um dos credores fizerem as suas declarações de crédito foram expelidos da concorrência (não foram admitidos pelo juiz, em julgamento de ‘plena cognitio’, ou contra eles houve provimento de recurso)
(Tratado de direito privado. Parte Especial. Tomo XXIX. 3ª ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 123. Destaques no original)
A insolvência do agente econômico não resulta do número de credores e sim da confissão de que não mais pode continuar operando no mercado, ainda que a dívida não esteja vencida.
Inexiste necessidade de pluralidade de credores para fins de decretação da falência.
O devedor em crise patrimonial, que não reúne as mínimas condições de continuar operando no mercado tem o dever requerer a autofalência, confessando seu estado de insolvência.
A retirada do devedor do mercado em que atua visa o saneamento do meio empresarial, nas palavras de Rubens Requião [Curso de direito falimentar. 1º Volume. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 26-27].
Nessa linha, não reunindo condições de se valer de um dos regimes recuperatórios previstos na lei, ou mesmo, não tendo condições de compor com seus credores [art. 167 da Lei 11.101/05], é de boa medida que ajuíze a ação de autofalência imediatamente.
A lei, ao contrário do Decreto-lei 7.662/45, não impõe o prazo de 30 (trinta) dias para distribuição da ação [a lei não impõe “penalidade” a quem não requerer a autofalência em tal prazo].
Entretanto, a fim de preservar o próprio mercado, é prudente que ingresse com a ação assim que detectar a crise irremediável.
Escreve o jurista Ricardo Negrão que a lei
não impõe qualquer restrição ou obrigação ao devedor que descumprir a norma legal. No novo sistema falimentar não há, tecnicamente, um dever jurídico porque o ato de requerer a autofalência submete-se unicamente à vontade do empresário ou da sociedade empresária [Curso de Direito Comercial e de Empresa, V. 3.16ª edição. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 366].
Por fim, basta a confissão de que o devedor se encontra em crise patrimonial inafastável, não carecendo de dívida vencida, qual estava expresso no art. 8º do Decreto-Lei 7.661/45.
Não há de se confundir cessação de pagamento com insolvência. Aquela é fato (mais passivo que ativo); esta é inadimplência, impontualidade no pagamento a tempo e modo avençados pelas partes contratantes.
Quanto a confissão de insolvência (CPC, art. 389), é ato pessoal, espontâneo ou provado.
O advogado que subscrever a petição inicial deverá ter poderes especiais para tanto (CPC, arts. 105 e 390, §1º).
No caso de autofalência, a confissão é espontânea e não provocada (caput do mesmo enunciado legal).
A interpretação da regra contida no art. 390 do CPC é no sentido de que, confissão espontânea é de iniciativa do interessado [em pedido de autofalência, confessa, por escrito, seu estado de insolvência e requer seja retirado do mercado].
No pedido de autofalência, portanto, a confissão do devedor em crise é espontânea.
Os titulares do agente econômico, ao primeiro sinal de crise, se devem antecipar e requer a autofalência. Isso demonstra sua ética e boa-fé objetiva e evitar efeito multiplicador, quanto as demais pessoas jurídicas que atuam no mercado.
EFEITOS IMEDIATOS DA SENTENÇA DE DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA
O primeiro efeito da abertura judicial da falência é a retirada do devedor do mundo jurídico, ou seja, há a cessação da atividade econômica.
Ocorrerá a imediata formação da massa falida, formação do juízo universal [com alguns aspectos relevantes] e a perda do direito de administrar os bens (Lei 11.101/05, art. 103), ou seja, ocorre o desapossamento (transferência da posse direta dos bens para a massa falida [ficando o devedor com a posse indireta).
Há a mantença da propriedade em mãos da entidade devedora, agora sob regime falimentar.
Os titulares do agente econômico são imediatamente afastados (arts. 81 e 99, inc. IX).
Nessa esteira, há a suspensão da personalidade jurídica do agente econômico, sendo imperiosa a expedição de ofício ao Registro de Empresa, bem como à Receita Federal, a fim de que averbem a falência, bem como a inabilitação (art. 99, inc. VIII e art. 102 da lei).
Já fiz constar:
Um dos principais efeitos jurídicos da sentença de falência, conforme dito, é justamente a imediata constituição da massa falida, pessoa formal que existe tão só enquanto perdurar o processo falimentar. Em pessoa jurídica não se pode falar, pois somente por disposição legal é que se pode criar uma personalidade jurídica, atributo esse inexistente em relação a massa falida. Tal como o condomínio ou a herança, a massa falida não tem patrimônio próprio [e como dito, há apenas a posse direta sobre os bens arrecadados do devedor, ficando com este, ainda, o inequívoco direito de propriedade e a posse indireta]; o patrimônio é ainda pertencente ao falido. Segundo Rubens Requião, a massa falida [objetiva] nada mais é do que o patrimônio afetado [separado] do devedor, destinado a um determinado fim [a liquidação, e cujo produto será destinado ao pagamento das dívidas], ficando os credores reunidos na massa falida subjetiva
[CLARO, Carlos R. A propriedade e a administração dos bens na falência. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, n. 66, maioi-2010 a agosto-2010, p. 125. Porto Alegre: AMP/RS, 2010]
Quanto a suspensão da personalidade jurídica, escrevi o seguinte:
Com efeito, no que diz com a “extinção” da sociedade empresária, destaque-se que a dissolução significa o procedimento a ser adotado para fins de cancelamento da inscrição da pessoa jurídica, desencadeando a liquidação do patrimônio. Em outras palavras, a pessoa jurídica pode (ou não) vir a ser extinta, efetivamente, com a decretação da falência. A princípio, a decretação da falência do devedor desencadearia a dissolução da sociedade empresária, mas não menos certo que esta dissolução poderia ser interrompida, mediante o encerramento regular do processo de falência, ou mesmo o pagamento a um determinado número de credores, ou ainda [ao tempo do ab-rogado Decreto-Lei 7.661/45, a concessão de concordata suspensiva da falência]
[Op. cit., p. 126]
A nomeação de administrador judicial é consequência lógica da sentença que retira o devedor do mercado, cabendo a este, assim que assinar o termo de compromisso, arrecadar todos os bens e direitos do devedor. É dever seu agir imediatamente (judicial e extrajudicialmente – art. 22, inc. III, “c”).
Ainda, há a suspensão da prescrição e de algumas ações (arts. 6º e 99, inc. V), como algumas ressalvas.
Os contratos assinados pelo devedor, antes da abertura judicial da falência, não se resolvem (art. 117), competindo ao administrador judicial avaliar cada casso, para fins de dar prosseguimento.
Ocorre o vencimento antecipado das dívidas (art. 77); há a cessação de mandatos eventualmente conferidos (art. 120); encerramento da conta corrente (art. 121); inabilitação para o exercício da atividade empresarial (arts. 102 e 181, inc. II).
A suspensão dos juros (art. 124) também ocorre.
A abertura judicial da falência é condição objetiva de punibilidade com relação a eventuais crimes falimentares (art.180).
As ações judiciais nas quais figuravam a pessoa jurídica no polo ativo ou passivo serão de responsabilidade do administrador judicial, podendo, porém, requerer todas as medidas necessárias parar fins de conservação dos ativos arrecadados (art. 103, parágrafo único).
Dito de outro modo, a legitimidade ativa e passiva processual passa a ser do administrador judicial, agora agindo em nome da massa falida.
Por outro lado, há a limitação da capacidade processual do falido, porquanto as ações são conduzidas pelo administrador judicial.
Os sócios (ou acionistas) da entidade falida devem cumprir o que diz o art. 104 da Lei 11.101/05.
EFEITOS RETROATIVOS DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA
A decretação da falência também implica em efeitos retroativos, ou seja, o período anterior à abertura judicial da falência.
Explica-se.
Um dos requisitos da sentença de falência é a fixação do termo legal (art. 99, inc. II), ou seja, o período anterior ao decreto, onde os atos praticados podem ser eventualmente não produzir efeito em relação à massa falida.
Podem os atos praticados pelo devedor ser declarados ineficazes (art. 129) ou revogáveis (art. 130) em relação à massa falida.
A ineficácia de determinado ato praticado pela entidade falida antes da falência pode ser declarada de ofício pelo juiz no âmbito do próprio processo (art. 129, parágrafo único), ser alegada como matéria de defesa ou mesmo ser objeto de ação judicial própria ou incidental.
Portanto, os atos praticados pelo agente econômico antes da decretação da falência podem ser questionados judicialmente.
EFEITOS FUTUROS DA ABERTURA JUDICIAL DA FALÊNCIA
Um dos efeitos é a necessidade de habilitação de crédito, pelos credores (art. 99, inc. IV).
Outro, é o prosseguimento de determinadas ações judiciais (art. 6º], bem como a possibilidade de ajuizamento de pedido de restituição (art. 85) do terceiro reivindicante.
De acordo como o art. 99, inc. V, as ações e execuções em face da falida são suspensas, com as ressalvas previstas no art., 6º da mesma lei.
A alienação judicial dos ativos arrecadados e o pagamento dos credores da massa falida e da falida é consequência lógica e natural.
É bem dever que, aqui se está a falar em agente econômico que possui ativos arrecadáveis.
Inexistindo ativos, caberá ao administrador judicial imediatamente comunicar o fato ao juiz condutor do processo.
O Ministério Público será ouvido e os credores devem ser intimados via edital, para que se manifestem, querendo (art. 114-A).
Ao administrador judicial cabe apresentar, em até 60 (sessenta) dias, a contar da data em que assina o termo de nomeação, plano detalhado acerca da realização dos ativos (art. 99, §3º).