Pedido De Falência Formulado Pelo Credor Ou Outro Legitimado
Ao longo de 38 (trinta e oito) anos de experiência profissional na área do direito falimentar, tive a oportunidade de trabalhar em vários processos, tanto de concordata preventiva (e suspensiva), quanto em reestruturação empresarial e falência.
Certa vez, me deparei com uma ação de falência – onde se pretendida a retirada do devedor do mercado – contendo mais de 800 (oitocentos) documentos, entre eles, duplicatas, notas fiscais, instrumentos de protesto e assim por diante.
Em tempos de processo eletrônico, certamente fica, quem sabe, mais fácil analisar tudo. Mas, imagine-se na época do processo físico – onde esses 800 documentos faziam parte de alguns volumes. Exigia, certamente, muito mais trabalho.
PENSAMENTO A SER AFASTADO
Algumas ideias relativas ao pedido de falência formulado pelos legitimados devem ser definitivamente exorcizadas e excluídas do pensamento do hermeneuta sistemático do início do século XXI.
Mais que isso, crê-se firmemente que cabe uma verdadeira sessão de descarrego para afastar, definitivamente, o pensamento de que a petição inicial deverá ser instruída com uma infinidade de documentos, visando a comprovar a impontualidade do devedor [caso a hipótese seja fulcrada no artigo no artigo 94, inciso I, da Lei 11.101/05].
O ESCOPO DO PEDIDO DE FALÊNCIA
O pedido de falência formulado em face do devedor não se presta, nem nunca se prestou, à cobrança de dívida[1]. Não se trata de ação de cobrança, obviamente.
Para tal fim – cobrança – existem outros mecanismos jurídicos apropriados, de modo que esta é uma primeira situação a ser considerada.
Fiz constar em algum escrito, ainda ao tempo de vigência exclusiva do Decreto-Lei 7.661/45 que criou-se verdadeiro procedimento de cobrança, via processo falimentar, a pedido do credor, sendo que alguns tribunais pátrios afastavam os pedidos quando tinham tal conotação[2].
Por outro lado, entende-se que, analisada especialmente a Lei 11.101/05 – a qual trata da falência e da reorganização do agente econômico em crise -, que, escorada na principiologia da Constituição Federal, primeiramente emprestam-se mecanismos econômicos e jurídicos [a exemplo do artigo 50] para a tentativa de soerguimento e retorno efetivo ao mercado.
Inexistindo condições mínimas para superação da crise do devedor, caso será de imediata decretação da falência, com a retirada imediata do devedor do mercado em que atua.
Tanto a lei de 1945 quanto a de 2005 possuem único escopo, em relação ao devedor sem condições de manter-se competidor: tirá-lo imediatamente do mercado a fim, inclusive, de não criar prejuízo aos demais agentes econômicos, bem como manter a necessária e inquestionável preservação do crédito público.
HIPÓTESES DE IMPONTUALIDADE E EXECUÇÃO FRUSTRADA
É fato, pois, que nas hipóteses de impontualidade ou de execução frustrada [ausência de pagamento ou penhora de bens] poderá o devedor, dentre inúmeros rumos a seguir, e no prazo improrrogável de 10 [dez] dias depositar a quantia reclamada, com juros, correção monetária, despesas do processo e honorários de advogado.
Assim procedendo, estará elidido o pedido de falência.
É o que justamente se extrai da atenta leitura do artigo 98, parágrafo único da Lei 11.101/05.
Portanto, uma primeira conclusão poderia ser levada a efeito desde logo.
Tendo em vista o fato de que a própria lei própria confere ao devedor o direito de pagar o valor da dívida, a fim de evitar a falência, por que então não instruir a inicial com a totalidade das cártulas e respectivos documentos, diante da expectativa do depósito?
Entende-se que, caso o espírito do credor seja, efetivamente, de noticiar a impontualidade do devedor em juízo, e buscar sua imediata retirada do mercado, pode [e deve] instruir minimamente sua inicial, e a juntada de pletora infindável de documentos deve ser recebida com reservas, na medida em que pode [em tese, apenas] ser reveladora da tentativa de cobrança mascarada de dívida.
Basta, pois, a juntada de documentos mínimos tendentes a demonstrar a impontualidade do devedor, inclusive com a juntada do instrumento de protesto, tirado especialmente a tal fim, na hipótese do art. 94, inciso I, ou apresentando cópia da execução de título extrajudicial, comprovando a não indicação de bens à penhora; o não pagamento do valor pretendido ou o não depósito da coisa pretendida.
Portanto, uma vez mais repita-se, por importante. Caso o espírito do credor seja, efetivamente, o de retirar o devedor do mercado, não carece juntar infinidade de documentos, por mais que possa existir a expectativa de depósito na oportunidade correta, por parte deste.
PEDIDO DE CITAÇÃO
Outra impropriedade técnica diz com o pedido para que ocorra a citação do devedor a fim de que pague no prazo de 10 [dez] dias a quantia reclamada, com os acréscimos previstos em lei.
Em sendo a petição inicial redigida nestes exatos termos, caberá ao juiz condutor do processo determinar a intimação do autor a fim de que no prazo de 15 [quinze] dias proceda à emenda à inicial [nos moldes do artigo 321 do Código de Processo Civil].
O pedido de falência, conforme exposto, não se presta para fins de cobrança de dívida, e completamente fora de técnica formular requerimento nestes termos, sendo que isso demonstra o desconhecimento [por parte do legitimado] de qual é o verdadeiro propósito da lei.
[1] A propósito, REsp. 136.565/RS – 4ª Turma, rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, julgamento: 23/02/1999.
[2] Revocatória Falimentar, 3ª edição. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p. 205.