A Quem é Indicada a Recuperação Judicial?
O presente escrito tem como objetivo apresentar algumas considerações a respeito de quem se pode valer do regime recuperatório (plenamente) judicial previsto na Lei 11.101/05.
Não raro, a entidade jurídica se vê mergulhado em crise, mas esta crise não é econômico-financeira e sim patrimonial, de caráter irreversível.
Em situação tal, viando a cumprir a lei, cabe a retirada do mercado, via autofalência. O devedor tem o dever de ajuizar a ação de autofalência.
Quando se trata de crise econômico-financeira, caso sejam cumpridos todos os requisitos legais, o devedor pode ajuizar a ação de recuperação judicial, ciente de que é, via de regra, um caminho sem volta para o devedor [Lei 11.101/05, art. 52, §4º]:
Ou obtém a aprovação do plano de reerguimento, com a consequente concessão da recuperação judicial,
Ou terá a falência decretada (Lei 11.101/05, art. 73).
Significa isso dizer que a entidade em crise econômico-financeira deve avaliar todos os caminhos que pode percorrer, considerando, inclusive, a repercussão da distribuição da ação.
Nunca se deve olvidar que o nome [denominação social] da pessoa é o seu cartão de visita, ainda mais em tempos midiáticos, onde as notícias ocorrem a cada segundo.
Arranhado, maculado esse nome da “empresa”, mesmo que minimamente, haverá dificuldade para restabelecê-lo.
Nessa linha, a recuperação judicial e a recuperação extrajudicial se traduzem em algumas possiblidades que podem ser adotadas pela “empresa”.
A lei, porém, prevê que outras formas de composição entre devedor e credores podem ser adotadas (Lei 11.101/05, art. 167].
Ora, se antes a lei de 1945 [Decreto-Lei 7.6612/45] caracterizada como ato de falência a convocação de credores para a discussão sobre as dívidas, agora incentiva-se a composição entre devedor e credores [extrajudicialmente], seguindo a linha adotada pela lei norte-americana [Bankruptcy Code de 1978].
Ressalte-se que, no mundo capitalista, de economia de mercado, a solução para a crise empresarial é a solução de mercado.
Visão Geral Sobre A Crise Da “Empresa”
Nunca se deve olvidar que o nome [denominação social] da pessoa é o seu cartão de visita. Arranhado, maculado esse nome empresarial, mesmo que minimamente, haverá dificuldade para restabelecê-lo em sua plenitude perante o mercado competitivo.
Prosseguindo, se outrora a lei falencial da primeira metade do século passado [1945] tinha como escopo o firme caráter liquidatário-solutório, sendo irrelevantes processos de concordata [preventiva ou suspensiva], ou mesmo a tentativa de soerguimento do devedor, a lei de 2005 mudou o foco.
O texto normativo [Lei 11.101/05], considerando os ventos que sopram em outros países – especialmente os Estados unidos -, a respeito dos institutos em voga, apresenta substancial alteração quanto ao trato da crise empresarial, até e principalmente escorado nos ditames constitucionais.
De fato, como é de sabença mediana, o espírito da Lei 11.101/05 é a tentativa (quanto possível) de soerguimento da “empresa” deficitária econômica e financeiramente, conferindo-lhe, na esfera judicial, mecanismos de cunho jurídico-econômico a fim de que a crise [numa ou mais de suas formas] seja afastada.
Somente se pensa em retirada do mercado (de forma espontânea [autofalência] ou compulsória [requerida pelos demais legitimados], mediante processo falimentar] num segundo momento, em caso de insucesso da reestruturação judicial.
O que mudou, isso se traduz em aspecto relevante, é a forma de tratar a crise instaurada, ou seja, em vez de se afastar o ente imediatamente, que se lhe conceda uma tentativa de sair dessa crise, até mesmo considerando o leque de princípios constitucionais.
Pois bem.
Aqui não é o lugar próprio para apresentar considerações a respeito do papel do Estado-juiz no âmbito da recuperação judicial.
É de ponderar, à luz da razão, que a entidade em crise há de buscar a solução da crise no próprio mercado no qual se insere. De uma forma ou de outra, houve mudança de eixo.
A lei de 2025, prestes a completar 20 (vinte anos) de vigência no sistema normativa brasileiro, contém uma série de inovações importantes [muito embora também tenha emprestado dispositivos literais do Dec.-Lei 7.661/45, e importado a ideia norte-americana, [confira-se: Bankruptcy Code, Chapter 11].
O texto legal apresenta órgãos como a assembléia e o comitê de credores, que terão papel decisivo e preponderante, quer na falência, quer na recuperação judicial.
Ainda deu nova atribuição ao sindico e ao comissário, que agora são simplesmente denominados de administrador judicial.
Já adentrando nos dispositivos legais que interessam para dar arrimo ao presente texto, nota-se que facilmente o intérprete perceberá que a Lei 11.101/05, especialmente no âmbito da reorganização judicial, se mostra mais ajustada às entidades de médio ou de grande porte.
A Recuperação É Indicada A Entidades De Médio E Grande Porte
Quando se fala em crise empresarial, sempre vem à mente a ideia de ajuizar a ação de recuperação judicial.
Porém, tal regime nem sempre é o mais recomendado. Somente o caso concreto estabelecerá qual o caminho deverá ser tomado.
Para que se possa ingressar com a recuperação judicial, bem ao contrário dos requisitos constantes do Dec.-Lei 7.661/45, caberá ao devedor observar rigorosamente todos os requisitos elencados art. 51 do texto de lei [sem descuidar da regra do art. 48 da mesma lei e outras determinações contidas no Código de Processo Civil].
Tem-se como relevante uma série de documentos, tais como, por exemplo, as demonstrações contábeis dos três últimos exercícios sociais e as especialmente levantadas para fins de recuperação judicial; a projeção do fluxo de caixa, dentre outros.
Mas, sobreleva o fato de que o plano de recuperação é, sem sombra de dúvida, o documento mais importante do processo de reorganização.
É, pois, o verdadeiro fio condutor, o formal documento de caráter obrigatório, que poderá ensejar o amplo soerguimento do ente em crise.
Sem ele, óbvio ululante inexiste recuperação da “empresa” e, sim, falência.
Mostra-se tarefa fácil simplesmente pôr no papel os meios de recuperação a serem empregados.
É tranquilo, de certa forma, observar as várias possiblidades de recuperação previstas no art. 50 da lei, que não são os únicos meios recuperatórios.
Mostra-se bastante simples a utilização deste ou daquele instrumento previsto, também, no art. 50 do texto e cujo teor a prática empresarial de há muito vem adotando.
Entretanto, o levantamento contábil e econômico a ser levado a efeito; o esquadrinhamento da estratégia de soerguimento; o estabelecimento, de forma clara, dos meios efetivos para que tal ocorra, e principalmente demonstrar a viabilidade econômica do ente recuperando, se traduzem em tarefas árduas, complexas e endereçadas a profissionais plenamente especializados, competentes no seu mister.
Analisar toda a vida da entidade recuperanda e principalmente quais são suas reais possibilidades de se manter no mercado competitivo, não é tarefa.
É tarefa de fôlego para especialistas na área. Contratar especialistas, capazes de elaborar o plano de reestruturação, significa custo financeiro ao recuperando.
Aqui já começa a haver uma distinção no tamanho, por assim dizer, da entidade em crise.
Qual é a pessoa jurídica de pequeno porte que tem condições mínimas para pagar o custo de uma verdadeira perícia a ser levada a efeito?
E se o magistrado determinar a constatação prévia? O custo da perícia é o devedor (Lei 11.101/05, art. 51-A).
As “empresas” de médio e de grande porte, na sua maioria, já dispõem de pessoal interno qualificado para efetuar levantamentos contábeis, econômicos etc., a fim de que conferir embasamento ao plano de recuperação.
O custo [em sentido amplo] do processo de recuperação judicial já começa a apartar a pequena entidade jurídica daquelas de médio e ou grande porte.
Ainda, durante o processo de recuperação judicial poderão ser colocados em prática alguns órgãos deveras importantes, órgão esses acionados, principalmente quando o caso tratar de entidades de médio ou de grande porte.
A assembleia de credores não é instituto novo, porquanto já prevista na lei ab-rogada [Decreto-Lei 7.661/45, art. 122], podendo ser considerado como novo o comitê de credores.
Sem adentrar, aqui, na relevância ou mesmo na pertinêncvia, impende colocar em evidência que não será em todo e qualquer caso que ocorrerá a convocação de assembleia, a fim de deliberar a respeito da formação do comitê de credores. Não.
Evidentemente que caberá ao credor requerer ao juiz condutor do processo que proceda à convocação dos credores, a fim de que seja constituído formalmente o comitê e também não será em processos de pequeno porte, por assim dizer, que haverá a arregimentação de interessados [credores] a fim de deliberar a respeito do destino, também por assim dizer, da entidade em processo de recuperação judicial.
Caso se faça necessária a convocação de assembleia – e a consequente formação do comitê de credores -, as despesas [todas elas] deverão ser suportadas pelo devedor.
Importante é o art. 29.
Estabelece, em síntese, que os membros do comitê não serão remunerados por suas atividades, mas, as despesas realizadas para a realização (sic) de atos previstos na lei, se comprovados e com autorização judicial, serão ressarcidas atendendo às disposições de caixa.
É exatamente o constante de tal disposição legal.
Bem, a remuneração não é paga, de fato, mas as despesas para a realização do ato serão cobradas do devedor.
Ainda, caso o comitê resolva, por exemplo, se reunir uma vez por semana a fim de deliberar a respeito do prosseguimento, ou mesmo resolva fiscalizar in loco determinada filial da recuperanda, instalada em local longínquo, cujo deslocamento requeira transporte aéreo, o devedor também será responsável pelas despesas.
Então, crê-se que a instalação de assembleia e a formação de comitê certamente não ocorrerão em todo e qualquer processo de reorganização e quando for o caso, certamente o devedor terá despesa acentuada.
Para a pequena entidade, o custo da recuperação é muito mais elevado, em relação às de médio e de grande porte.
A lei vale para todos os agentes em crise; as entidades legitimadas pela lei se poderão valer dos mecanismos para a tentativa de soerguimento, mas nem todas terão condições mínimas necessárias a fim de suportar o elevado custo dispendioso do processo.
O que cabe esclarecer é que, tendo em vista os ditames legais, documentos importantes deverão ser direcionados ao processo.
A elaboração do plano de reorganização, o qual competirá a profissional qualificado para esse mister tem custo financeiro.
A entidade recuperanda deve arcar com o pagamento das despesas e remuneração, inclusive do administrador judicial, fixada pelo juiz segundo os parâmetros legais.
Portanto, o processo de recuperação judicial poderá ser dispendioso ao devedor em crise, caso as possibilidades aqui aventadas se concretizem.
Caberá à recuperanda arcar com as despesas necessárias à pratica de alguns atos, sendo não menos certo que nem todos os entes em crise terão condições financeiras de arcar com os custos do procedimento na esfera exclusivamente judicial.
Na esteira de tudo o que foi aqui exposto, é também de mediana sabença que a Lei 11.101/05, além de recolher dispositivos constantes do Dec.-Lei 7.661/45, também foi embasada nas legislações norte-americana e francesa, que afloram noutra conjuntura sócio-econômica, totalmente diversa do Brasil.
Caberá ao tempo, e só a ele, dizer se houve [ou não] avanço legislativo no Brasil, especialmente diante do empréstimo legislativo efetuado.
Por enquanto, considerando o elevado número de entidades falidas e aquelas que simplesmente cerram suas portas, a lei ainda carece de vários ajustes.