Princípio da Par Conditio Omnium Creditorum na Falência
Este pequeno artigo tem como objetivo alinhar algumas considerações a respeito do importante princípio par conditio omnium creditorum [equal treatment of all creditors no direito norte-americano], que deve ser observado após a sentença que decreta a abertura de falência do agente econômico.
A paridade de condições de todos os credores pertencentes a mesma classe (classificação dos créditos – ou ordem de créditos – prevista no art. 83 da Lei 11.101/05) tem grande relevância no âmbito falimentar.
O tratamento igualitário deve ser observado no processo de falência, após a sentença de decretação.
Em síntese, havendo recursos financeiros destinados aos credores, o pagamento deve obedecer a uma ordem de preferencias legalmente estabelecida, com o intuito de privilegiar aqueles créditos que gozam da maior importância, conforme doutrina de Marlon Tomazette (Curso de Direito Empresarial. Volume 3: falência e recuperação de empresas. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p. 535).
Compete ao administrador judicial elaborar o quadro geral de credores e apresentar o plano de pagamento, observados os artigos 83 e 84.
Neste espaço não há lugar para discorrer a respeito da distinção entre credores da massa falida (créditos constituídos pós-abertura da falência – art. 84) e os credores da entidade falida (dívidas contraídas antes da falência – art. 83).
A Realização do Ativo Arrecadado
Vários são os efeitos jurídico-econômicos que decorrem da abertura judicial da falência da pessoa jurídica, efeitos esses que se espraiam ao agente econômico devedor, agora falido, aos seus sócios/acionistas, aos colaboradores, aos credores e assim por diante.
Os efeitos são imediatos são: retirada do devedor do mercado, formação do juízo universal da falência, formação da massa falida, suspensão da personalidade jurídica do ente falido, suspensão da prescrição, perda da disponibilidade de bens, vencimento antecipado das dívidas, afastamento os titulares da empresa, encerramento das contas bancárias.
Como efeito retroativo pode ser citado o termo legal da falência.
No que se refere aos efeitos futuros, podem ser considerados: habilitação de crédito, prosseguimento de determinadas ações, agora em face da massa falida, possiblidade de ajuizamento de pedido de restituição, arrecadação e alienação judicial de ativos.
Há efeitos significativos em relação aos contratos do falido, suas obrigações livremente contraídas, patrimônio e sua própria pessoa (em se tratando devedor pessoa física empresário, que inclusive fica inabilitado para o exercício de atividade empresaria) assim como sócio de responsabilidade ilimitada (figura jurídica essa em desuso atualmente).
Com a sentença de falência há o afastamento dos gestores da falida, ocorrendo o “penhoramento abstrato” de todos os bens (conforme lição de Pontes de Miranda em sua clássica obra), de modo que os ativos hão de ser imediatamente arrecadados, visando a rápida alienação judicial e posterior pagamento das dívidas, observada a ordem legal.
O devedor tem a posse indireta sobre os bens e a massa falida a posse direta, sendo certo que a própria lei confere ao falido o direito de fiscalizar e tomar as medidas a vem da conservação dos bens arrecadados (art. 103, p. único).
A massa falida é considerada patrimônio separado em relação à entidade jurídica.
Após assinar o termo de compromisso, deve o administrador judicial imediatamente proceder a arrecadação do patrimônio do devedor, conforme art. 108.
Pagamento das Dívidas da Massa Falida e Da Falida
Realizado o ativo, com a alienação do patrimônio arrecadado, caberá ao administrador judicial, observados alguns ditames estabelecidos pela Lei 11.101/05, pagar os credores da massa falida e da falência, e é exatamente neste ponto que o princípio da paridade entre credores passar a ter uma maior relevância para fins de reflexão.
Primeiramente, o princípio da igualdade entre credores é originário do direito francês, e não do direito romano.
No direito romano, conforme melhor doutrina, tinha relevo o princípio da prior in tempore, potior in jure, basicamente significando que o credor que se antecipava em executar o devedor inadimplente recebia um tratamento por assim dizer diferenciado em relação aos demais credores.
Conforme bem esclarece Ecio Perin Junior,
a prioridade era, pois, título de privilégio. Entretanto, o direito costumeiro francês, anterior ao Código Napoleônico, elaborou outro princípio: o de que é igual o direito dos credores de serem satisfeitos pelo patrimônio do devedor, salvo especiais direitos de preleção. Essa igualdade, indiferente à prudência dos procedimentos individuais, exprime-se na fórmula ‘par conditio creditorum’[1]
Na execução concursal denominada de falência os credores hão de receber tratamento igualitário, sempre respeitada a classe [ou graduação] de credores à qual pertence.
Não menos certo que, salvo as preferências de ordem estritamente legal, – este tema será examinado em outro artigo – os credores terão igual direito sobre os bens [ou o produto dos bens] do devedor comum, tal como dispõe o artigo 957 do Código Civil.
Portanto, a paridade de credores se refere á ordem de classificação, de hierarquia dos credores da falência, que no caso da lei falimentar brasileira vem disposta no artigo 83, e que diz, como se vem insistindo, tão só com os credores do agente econômico falido.
Os credores receberão tratamento igualitário, contanto que seja respeitada a classificação estabelecida na lei de regência [aqui se não está a falar do Dec-Lei 7.661/45, ainda em vigor no sistema jurídico para as falências antigas].
Um primeiro parêntesis deve desde logo ser feito.
Aqui não é o lugar próprio, pois não há espaço suficiente, para escrever a respeito de quem, de fato, recebe seu crédito em primeiro lugar no processo de falência, considerando.
Existem os créditos extraconcursais [encargos e dívidas da massa falida, que agora o art. 84 separou por incisos, enquanto a lei ab-rogada dispôs a matéria em parágrafos], os pedidos de restituição, e assim por diante.
O tema é deveras palpitante [há, sem dúvida, significativo relevo no âmbito falimentar] na justa medida em que cabe ao hermeneuta ler atentamente o contido nos artigos 83, 84, 85, 150 e 150 do texto legal.
Assim, bem e perfeitamente compreenderá a questão que envolve o pagamento dos créditos da massa falida e aqueles devidos aos credores do falido.
Passando pelo método de interpretação gramatical e chegando inexoravelmente no sistemático e no teleológico, é certo que o hodierno exegeta perceberá quem tem, de fato, “preferência” no recebimento de seus haveres quando se coloca em mesa um processo de falência.
Nesse passo específico, cabe desmitificar o conteúdo da Lei 11.101/05 [de caráter eminentemente simbólico, como se vem repisando em outros artigos científicos]; cabe uma vez mais esclarecer que o credor trabalhista não é – e jamais foi – o primeiro credor a receber seus créditos em processo de falência.
Cabe, por fim, e definitivamente, exorcizar, por assim dizer, qualquer tentativa de se afirmar que as instituições financeiras não se constituem em credores superprivilegiados do falido [considerando as benesses legais insculpidas na regra do art. 49§3º da Lei 11.101/05].
Aqui também não há espaço para falar nas exceções à universalidade do juízo falimentar, quais as ações não são suspensas com a decretação da falência.
É de se ponderar que, em relação aos credores sujeitos aos efeitos da vis attractiva, após a liquidação dos ativos arrecadados, competirá ao administrador judicial, com base no quadro geral de credores previamente elaborado, homologado judicialmente e publicado, proceder ao rateio entre os credores, considerando o montante depositado.
Os credores, em todas as classes, receberão proporcionalmente, mediante rateio, sendo de se afirmar que a Lei 11.101/05 é bem mais simplista em relação aos termos do Decreto-Lei 7.661/45, no que diz com os critérios para a distribuição dos recursos.
É de se destacar, uma vez mais, que dificilmente um credor quirografário, por exemplo, recebe seu crédito em falência.
Aliás, nem sempre há ativos arrecadáveis, cabendo observar a regra do art. 114-A, da Lei 11.101/05. É a falência frustrada, aquela prevista no art. 75, do texto legal de 1945.
[1] Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. 3a edição. São Paulo:Editora Método, 2006, p. 112.